30 anos: Lei do SUS

Enxergar o SUS a partir da sua importância na vida dos brasileiros faz parte do exercício da cidadania. Digo isto porque para muitos de nós ele foi uma verdadeira revolução, mas para os mais novos parece que sempre esteve aí. Atualmente, mais da metade dos brasileiros tem idade superior ao Sistema Único de Saúde, criado em 1988. Somente a partir de 19 de setembro de 1990, a Lei Orgânica da Saúde, de nº 8.080, foi sancionada. Inicia-se a estruturação da saúde pública pelo principal pilar: a atenção básica em saúde.

Os Agentes Comunitários de Saúde são instituídos e tornam-se populares com suas visitas de casa em casa. Para aperfeiçoamento da assistência à comunidade, o Programa de Saúde da Família, atualmente denominada Estratégia de Saúde da Família, passa a integrar a política de promoção da saúde, prevenção, recuperação e reabilitação. O surgimento do Programa no momento de epidemia de cólera é essencial ao enfrentamento à doença. Os agentes passam a ensinar regras simples sobre como lavar as mãos e fazer uso das instalações sanitárias de modo adequado.

Ao longo dos anos, o Sistema Único de Saúde foi aperfeiçoando a assistência em saúde. Além de atuar junto à população no ambiente comunitário, expandiu também sua atuação na oferta de serviços mais complexos, como quando criou o Sistema Nacional de Transplantes.

Por meio desta política pública, o Brasil se tornou referência mundial no transplante de órgãos e tecidos. Cerca de 96% dos procedimentos de transplante realizados no país são financiados pelo Sistema Único de Saúde. Em 2018, 26.492 transplantes foram realizados pelo serviço público.

O SUS também é responsável pelo maior programa de imunização do mundo. O Programa Nacional de Imunização, anualmente, aplica mais de 300 milhões de doses de vacinas. Além disso, a rede pública oferece todas as 27 vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde.

As pessoas vivendo com HIV/Aids possuem tratamento no sistema público, que é referência internacional. No país, os pacientes soropositivos recebem a medicação gratuita nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), independente da carga viral. Além disso, os testes para diagnóstico estão disponíveis em grande parte da rede, sejam maternidades públicas, serviços especializados ou em mais de 60% das Unidades Básicas de Saúde.

O Sistema também foi o principal responsável por concentrar a assistência em saúde a todo o país em razão da pandemia do novo coronavírus. Não devemos nos esquecer. Cerca de 21 mil leitos de UTI foram destinados aos pacientes acometidos pela Covid-19. As ações dos gestores de saúde, por meio das equipes de Atenção em Saúde, Vigilância Epidemiológica e Sanitária, foram essenciais para evitar maior número de perdas, que já abateu mais de 135 mil vidas.

Em outros países, pacientes vendem casas e automóveis para arcar com as despesas médicas provocadas pela necessidade de assistência hospitalar em decorrência da Covid-19.

Diante dos 30 anos da Lei 8.080 e dos prodígios perceptíveis, a análise crítica também é necessária. O maior insucesso do Sistema junto ao usuário é a dificuldade de acesso aos serviços de média e alta complexidades. As longas filas de espera, a preocupação diante da necessidade de acesso à internação, cirurgia, consultas ou exames especializados são algumas das insatisfações.

Para investir neste plano estratégico de melhorias ao atendimento do cidadão é necessário considerar que mais de 70% da população é usuária do Sistema Único de Saúde. Os serviços de média e alta complexidades são os mais financeiramente dispendiosos. Na atual conjuntura, é necessário defender a revogação ou, no mínimo, atenuar os efeitos da Emenda Constitucional nº 95.

Com a crise financeira global e a EC 95, outra situação deve ser prioridade para os gestores: o equilíbrio das contas públicas. A adoção de medidas de ajuste fiscal para reequilibrar o quadro de receitas e despesas do governo é urgente. Isto porque ter as contas minimamente organizadas é o meio para que se possa atingir ganhos sociais.

O equilíbrio das contas deve considerar o impacto em áreas essenciais, como a saúde. Diante da crise sanitária, o teto de gastos para a saúde se revelou, mais uma vez, uma ameaça às garantias de acesso integral, universal e gratuito da população. O novo coronavírus ainda é um desafio a vencermos e, concomitantemente, a sociedade precisa de atenção aos gargalos provocados por este período pandêmico.

As cirurgias eletivas precisam ser retomadas com urgência, bem como ampliado o acesso aos serviços de média e alta complexidades; a situação epidemiológica de outros agravos necessitam de atenção e enfrentamento. Como fazer tudo isso se a expectativa para 2021 é de redução de investimentos para a saúde? As conquistas sociais a partir do SUS estarão limitadas a história, ao passado? A nossa defesa do Sistema precisa ser mais que um artigo, debate ou tese. Os gestores das três esferas de governo e os atores envolvidos no Pacto em Defesa do SUS devem se mobilizar para impedir o desmonte deste Sistema, que é um direito tão recém conquistado por todos nós.

Carlos Lula – Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Secretário da Saúde do Maranhão