Conass Informa n. 48/2020 – Publicada a RDC Anvisa n. 339 que dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Biovigilância

RDC ANVISA Nº 339, DE 20 DE FEVEREIRO DE 2020

Dispõe sobre a instituição do Sistema Nacional de Biovigilância

A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso das atribuições que lhe confere o art. 15, III e IV, aliado ao art. 7º, III, e IV, da Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, e ao art. 53, V, §§ 1º e 3º do Regimento Interno aprovado pela Resolução de Diretoria Colegiada – RDC n° 255, de 10 de dezembro de 2018,

considerando a Portaria nº 529, de 1º de abril de 2013, do Ministério da Saúde, que institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente – PNSP; e

considerando a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC nº 36, de 25 de julho de 2013, que institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde e dá outras providências, resolve adotar a seguinte Resolução de Diretoria Colegiada, conforme deliberado em reunião realizada em 18 de fevereiro de 2020, e eu, Diretor-Presidente Substituto, determino a sua publicação.

Art. 1º Fica instituído o Sistema Nacional de Biovigilância.

CAPÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES INICIAIS

Seção I

Objetivo

Art. 2º O Sistema Nacional de Biovigilância tem por objetivo a melhoria da qualidade dos processos relacionados ao ciclo das células, tecidos e órgãos humanos, em alinhamento com o Programa Nacional de Segurança do Paciente.

Seção II

Abrangência

Art. 3º Esta Resolução se aplica a todos os integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância.

§ 1º São integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância todos os entes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), e os estabelecimentos e profissionais de saúde que desenvolvam quaisquer atividades relacionadas com o ciclo de células, tecidos e órgãos humanos nos processos de transplantes, enxertos, reprodução humana assistida, desde a doação até a evolução clínica do receptor e do doador vivo.

§ 2º Os estabelecimentos incluem hospitais, clínicas, consultórios, ambulatórios e serviços de urgência e de emergência, banco de células e tecidos, banco de células e tecidos germinativos, centros de processamento celular, de natureza públicas, privadas, filantrópicas, civis ou militares, que desenvolvam atividades relacionadas ao ciclo de células, tecidos e órgãos humanos.

Art. 4º Esta Resolução não se aplica à vigilância de eventos adversos decorrentes de ensaios clínicos e do uso terapêutico de produtos de terapias avançadas, de produtos biológicos como vacinas, alérgenos de origem biológica, proteínas recombinantes humanas, hemoderivados, sangue e hemocomponentes, regulamentados em normas específicas.

Seção III

Definições

Art. 5oPara efeito desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:

I – alérgeno: todo produto de origem biológica destinado a identificar ou provocar uma modificação específica e adquirida de uma resposta imunológica a um agente alergizante;

II – biovigilância: conjunto de ações de monitoramento e controle que abrange todo o ciclo de células, tecidos e órgãos humanos desde a doação até a evolução clínica do receptor e do doador vivo, com o objetivo de obter e disponibilizar informações sobre riscos e eventos adversos, a fim de prevenir sua ocorrência ou recorrência;

III – ciclo de células, tecidos e órgãos humanos: processo sistemático que abrange as atividades de identificação, seleção e notificação do doador, coleta de amostras, triagem clínica, social, física e laboratorial, coleta/retirada de células, tecidos e órgãos humanos, avaliação, processamento, acondicionamento, armazenamento, transporte, disponibilização/distribuição, uso terapêutico e seguimento dos receptores e doadores vivos de células, tecidos e órgãos humanos;

IV – cultura de segurança: conjunto de valores, atitudes, competências e comportamentos que determinam o comprometimento com a gestão da saúde e da segurança, substituindo a culpa e a punição pela oportunidade de aprender com as falhas e melhorar a atenção à saúde;

V – dano: comprometimento da estrutura ou função do corpo e/ou qualquer efeito dele oriundo, incluindo doenças, lesão, sofrimento, incapacidade ou disfunção e morte;

VI – doador: indivíduo vivo ou falecido cujo corpo é a fonte de obtenção de células, tecidos e órgãos;

VII – evento adverso: Qualquer ocorrência desfavorável relacionada à doação, retirada/coleta, avaliação, processamento, armazenamento, distribuição e ao procedimento de uso terapêutico de células, tecidos e órgãos, em um receptor ou doador, podendo ou não levar à transmissão de uma enfermidade, risco à vida, deficiências, incapacidades ou hospitalização ou, ainda, a prolongação do tempo de enfermidades ou hospitalização, e morte;

VIII – evento adverso grave: qualquer evento indesejado e inesperado associado a qualquer etapa do processo, desde a doação, retirada/coleta de células, tecidos ou órgãos até o uso terapêutico, que resulte na transmissão de doenças infecciosas ou neoplásicas, incapacidade persistente ou significativa, hospitalização ou prolongamento de uma hospitalização pré-existente ou morbidade, morte, risco de morte para doadores vivos ou receptores;

IX – gestão de Risco: aplicação sistêmica e contínua de políticas, procedimentos, condutas e recursos na identificação, análise, avaliação, comunicação e controle de riscos e eventos adversos que afetam a segurança, a saúde humana, a integridade profissional, o meio ambiente e a imagem institucional;

X – notificação: ato obrigatório de informar à autoridade sanitária competente do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, por meio de um sistema informatizado, sobre a ocorrência de eventos adversos relacionados ao ciclo de células, tecidos e órgãos humanos;

XI – notificação imediata: comunicação obrigatória realizada em até 24 (vinte e quatro) horas, a partir do conhecimento da ocorrência de eventos adversos graves e óbitos relacionados ao ciclo de células, tecidos e órgãos humanos, à autoridade sanitária competente do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e aos demais entes que necessitem iniciar ações corretivas ou preventivas imediatas, pela via mais rápida, incluindo telefone, fax, meio eletrônico, meio físico ou outra via;

XII – queixa técnica: qualquer notificação de suspeita de alteração ou irregularidade de um produto ou empresa relacionada a aspectos técnicos ou legais, independente da ocorrência de dano à saúde individual e coletiva;

XIII – receptor: indivíduo que recebe o transplante, infusão, enxertia ou implante de células, tecidos, órgãos ou seus produtos derivados;

XIV – registro: procedimento administrativo interno que mantém informações acessíveis e rastreáveis sobre os atos técnicos a que foram submetidos doadores e receptores;

XV – segurança do paciente: redução, a um mínimo aceitável, do risco de dano desnecessário associado à atenção à saúde;

XVI – uso terapêutico: é a transferência de células, tecidos, órgãos humanos ou seus produtos em um mesmo indivíduo (uso autólogo) ou entre indivíduos de uma mesma espécie (uso alogênico) com o objetivo de obter propriedades terapêuticas, sendo sinônimo de transplante, infusão, enxertia ou implante para os fins deste Regulamento, excluindo-se dessa definição a pesquisa clínica.

CAPÍTULO II

DO SISTEMA NACIONAL DE BIOVIGILÂNCIA

Seção I

Das atividades do Sistema Nacional de Biovigilância

Art. 6º O Sistema Nacional de Biovigilância tem por objetivo principal contribuir para a segurança do paciente receptor e doador de células, tecidos e órgãos humanos em todo território nacional.

Parágrafo único. O objetivo definido no caput dar-se-á por meio da identificação, registro, processamento e análise da informação de eventos adversos relacionados aos processos do ciclo das células, tecidos e órgãos humanos, realizada de forma coordenada e oportuna, monitorando e intervindo nos riscos.

Art. 7º Cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária coordenar, em âmbito nacional, as atividades do Sistema Nacional de Biovigilância, bem como:

I – viabilizar e manter um sistema nacional de informação para a biovigilância;

II – estabelecer os fluxos e procedimentos para notificação de eventos adversos relacionados à biovigilância;

III – identificar e divulgar sinais e/ou alertas rápidos relacionados ao uso de células, tecidos e órgãos humanos de alcance nacional;

IV – assessorar e cooperar tecnicamente, quando necessário, com as vigilâncias sanitárias distrital, estadual e municipal, nas investigações de óbitos atribuídos aos eventos adversos relacionados a biovigilância, assim como cooperar com as autoridades competentes de outros países ou organismos internacionais envolvidos;

V – acompanhar as investigações sobre casos de transmissão de doenças em doadores e receptores de células, tecidos e órgãos humanos, em conjunto com a vigilância sanitária local, que deverá promover ações de articulação entre os integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância envolvidos e a vigilância epidemiológica local;

VI – promover articulação entre os sistemas de vigilância de eventos adversos e queixas técnicas relacionados aos produtos e serviços sujeitos a vigilância sanitária, no âmbito da gestão de riscos;

VII – estimular e apoiar a implementação de protocolos, guias e manuais de boas práticas em células, tecidos e órgãos humanos, para garantia da qualidade e segurança dos procedimentos prestados.

Art. 8º Cabe aos integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância:

I – identificar, registrar, analisar, notificar e investigar eventos adversos ocorridos em todo o ciclo das células, tecidos e órgãos humanos sob sua responsabilidade;

II – aplicar os fluxos e procedimentos para notificação dos eventos adversos relacionados à biovigilância;

III – monitorar e implementar ações de controle relativas à transmissão das doenças infecciosas por agentes inesperados e emergentes, e de doenças neoplásicas em doadores e receptores de células, tecidos e órgãos humanos, de forma rápida e efetiva;

IV – comunicar de maneira imediata os eventos adversos graves e óbitos relacionados a biovigilância às instituições e aos profissionais de saúde envolvidos, para que sejam tomadas providências imediatas de investigação e aplicação de medidas corretivas;

V – notificar oportunamente à coordenação do Sistema Nacional de Biovigilância o evento adverso relacionado a biovigilância, por meio do instrumento determinado pela Anvisa;

VI – investigar o evento adverso relacionado a biovigilância ocorrido em seu campo de atuação, articulando-se com os integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância, quando necessário; e

VII – capacitar, divulgar, educar e promover a cultura de segurança aos profissionais envolvidos com as ações de biovigilância, em seu campo de atuação.

Art. 9° A direção dos estabelecimentos integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância deve designar um profissional responsável para executar as atividades de biovigilância em seu campo de atuação.

Parágrafo único. A ausência do profissional designado não exime a instituição da responsabilidade de notificação dos eventos adversos.

Seção II

Dos Eventos Adversos

Art. 10. O monitoramento dos eventos adversos será realizado pelo profissional responsável de biovigilância, conforme determinado pelo art. 9º.

§ 1º Para efeito desta Resolução o profissional referido no caput deste artigo será responsável pelo registro do evento adverso relacionado a biovigilância, pela comunicação com os integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância envolvidos e pela notificação à coordenação do Sistema Nacional de Biovigilância.

§ 2º O profissional designado será igualmente responsável pela investigação dos eventos adversos relacionados a biovigilância, pela aplicação das medidas corretivas e preventivas, atuará como interlocutor e responderá à autoridade sanitária competente, quando necessário.

Art. 11. É de responsabilidade do profissional que identifica o evento adverso a comunicação da sua ocorrência ao profissional responsável de biovigilância do estabelecimento.

Art. 12. A notificação do evento adverso relacionado a biovigilância, para fins desta Resolução, é obrigatória, e deve ser realizada pelo estabelecimento onde ocorreu.

§ 1º Os eventos adversos graves e os óbitos atribuídos a eventos adversos relacionados a biovigilância são de notificação imediata, devendo essa, nos termos desta Resolução, ser realizada dentro de 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir da ocorrência.

§ 2º A notificação imediata não exime o profissional responsável de biovigilância de proceder a notificação do evento adverso por meio de instrumento determinado pela Anvisa.

§ 3º Para os eventos adversos moderados e leves, a notificação deverá ser realizada até o 15º (décimo quinto) dia útil do mês subsequente à identificação do evento.

Art. 13. Nos casos de coleta e manipulação de gametas e embriões, será considerado um evento adverso grave, além do disposto no art. 5º, VIII, desta Resolução, um evento indesejado e inesperado associado a qualquer etapa do processo, desde a coleta de gametas até sua transferência, que interfira na qualidade do embrião, na perda de material biológico ou sua transferência à pessoa não destinada a este, e o nascimento de criança em virtude da implantação de gametas ou embriões de doador portador de doença genética grave ou potencialmente fatal.

Art. 14. Os estabelecimentos integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância devem manter disponível toda documentação referente ao registro e a investigação dos eventos adversos relacionados a biovigilância, por um período mínimo de 20 (vinte) anos.

CAPÍTULO III

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS

Art. 15. Os integrantes do Sistema Nacional de Biovigilância, abrangidos por esta Resolução, terão o prazo de até 120 (cento e vinte) dias para adequação a esta norma, contados a partir da data de entrada em vigor desta Resolução.

Art.16. A Diretoria Colegiada expedirá os atos decisórios para cumprimento do disposto nesta Resolução em consonância com a competência prevista no art. 15, III, da Lei nº 9.782, de 1999.

Art. 17. O parágrafo único do art. 3º da Instrução Normativa/ Anvisa nº 1, de 17 de março de 2015, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art 3º ………………………………….

Parágrafo único. São eventos adversos do ciclo do sangue: as reações à doação de sangue, os incidentes, os quase-erros e as reações transfusionais.” (NR)

Art.18. O descumprimento das disposições contidas nesta Resolução constitui infração sanitária, nos termos da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo das responsabilidades civil, administrativa e penal cabíveis.

Art. 19. Esta Resolução entra em vigor a partir do dia 1º de abril de 2020.

ANTONIO BARRA TORRES