Debate: As Fundações fazem mal à Saúde?

Confira o debate sobre as Fundações Estatais, promovido pelo Cebes com especialistas, gestores, trabalhadores, usuários.

Em 2010, o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) realizou um seminário e publicou um livro* para debater e analisar os impasses da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), impregnado, nos últimos anos, de propostas e alternativas nem sempre comprometidas com os interesses públicos, em especial com os usuários do sistema.

Em tese, os gestores das instituições do SUS deveriam ter como objetivo tornar esse sistema universal mais efetivo, aumentando a capacidade de oferta de serviços e dando acesso aos cuidados integrais de saúde – isto é, atendendo ao conjunto das necessidades de saúde da sociedade.

Entretanto, os caminhos para atingir os objetivos de gestão do SUS nem sempre estão abertos, sendo barrados por uma legislação não condizente com as necessidades e premências do setor da saúde.

Em resposta, os gestores do SUS vem realizando mudanças com a criação de novas modalidades de instituições gestoras não subordinadas à administração direta do Estado, entre as quais se destacam as organizações sociais (entes privados) e as fundações estatais (entes estatais).  

A estratégia de fuga da administração direta do Estado, que vem sendo adotada por elevado número de gestores estaduais e municipais de saúde, tem sido objeto de intensa polêmica entre os principais atores políticos do setor, envolvendo conflitos acirrados entre os gestores, trabalhadores e integrantes dos conselhos e confêrencias de saúde.

A defesa da administração pública do SUS ressalta a argumentação dos trabalhadores da saúde sobre instabilidade de vinculo empregatício e perda de direitos de servidores públicos, além da crítica compartilhada com os usuários sobre a ausência de mecanismos de controle social, não previstos nestas  Fundações.  A discussão precisa continuar para que se possam apontar soluções aos inegáveis problemas deparados pelos gestores que, ao mesmo tempo, não gere recuo nos princípios e conquistas do SUS

Com este objetivo, mais uma vez, o Cebes realiza novo debate sobre o tema, convidando especialistas, gestores, trabalhadores, usuários e quem mais desejar para expressar aqui sua opinião sobre os benefícios ou problemas causados pelas Fundações Estatais. Elas constituem, de fato, alternativa de uma gestão mais ágil e eficiente, ou não passam de arranjos privatizantes da gestão do SUS? Acompanhe diariamente novas opiniões, e não deixe de participar!

26/04/2013

 Gilson Carvalho, Doutor em saúde pública pela USP.

Todas as questões da administração pública devem ser analisadas sob a égide da Constituição Federal. Os padrões de qualidade no âmbito do público estão expressos no artigo 37 da CF: A administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A primeira constatação é de que tem que andar juntos os quatro pilares da qualidade no publico. O questionamento que sempre se faz é contrapondo legalidade com eficiência. Louva-se e se exige eficiência como se fosse a imperatriz que devesse aniquilar com os demais pilares. Assim se cai fácil na falácia maquiavélica de que fins justificam meios. Tudo que levar à eficiência, entendida como relação custo-benefício, é válido. Mesmo atropelando o outro pilar que é o da legalidade.

Confunde-se a administração pública por fundações, como uma terceirização do público. Por engano ou mesmo por má fé explícita, difunde-se esta ideia errada entre os incautos e neófitos no tema. Novamente a legalidade nos ajudando.

Os atos públicos podem ser feitos pelo público através da administração direta e indireta (várias formas, inclusive as fundações) ou podem ser feitos por terceiros privados lucrativos ou não.

Na área da saúde a execução de ações e serviços de saúde, segundo a CF, é de execução pública e apenas quando a capacidade de atendimento for insuficiente, o público pode recorrer complementarmente ao privado.  Nada de ocupar o lugar, mas apenas completar, com o seu próprio, aquilo que o público estatal não esteja dando conta de fazer.

Dizemos, resumindo, que existem duas terceirizações possíveis no público e duas vedades. As duas terceirizações lícitas são, na área de saúde, comprar serviços complementares existentes no próprio terceiro privado lucrativo ou não, e também contratar atividades meio no próprio público. De outro lado é vedado, na saúde, usar o privado para executar ações públicas no próprio do público ou usar o privado para contratar mão-obra de atividade fim.

As ações públicas de saúde, como já dito, podem legalmente ser executadas pela administração direta e pela indireta. Entre as formas de administração  públicas indiretas, legais, podemos contar com dois grande grupos: aqueles administrados sob a égide do direito público onde estão a administração direta, as autarquias que são as fundações públicas; consórcios públicos de direito público.

De outro lado, aqueles administrados pelo direito privado: fundações públicas administradas sob direito privado (fundações estatais); empresa pública; sociedade de economia mista; subsidiária; consórcio público de direito privado. Este é o estado de direito estrito.

Existe já há 15 anos uma figura que nasceu privada para administrar os próprios públicos, denominada de Organização Social. Ainda que o Ministério Público Federal condene veementemente sua existência na saúde, opinião que partilho desde 1998,  ela está no mundo legal até que vença a arguição de inconstitucionalidade impetrada pelo PDT e PT, no STF há mais de década e meia.

O que se quer com qualquer das alternativas exceto a administração direta? Em resumo é a busca de facilidade na admissão e demissão de servidores e a compra sem licitação ou com processo licitatório simplificado. A administração pública indireta, sob direito público nada muda ou mudou do que se quis fugir. Já a proposta da administração indireta sob direito privado como as fundações estatais, diminuem as amarras nestas duas áreas cruciais: contratação de pessoal (processo seletivo) e licitação com  processo licitatório mais simplificado.

Neste anos de vivência na administração pública e privada concluo que a forma de gestão é um fatores que podem levar a maior eficiência. Mas concorre sem ser o “segredo da forma”. Com amarras ou sem amarras se pode administrar acima ou abaixo da média. Para mim o cerne da questão está em saber exatamente o que deve ser feito e buscar fazê-lo.

Complete-se com o tríplice compromisso das pessoas envolvidas: político, técnico e humano.  Acho muito improvável que a administração pública consiga, nas próximas décadas (dizem os pessimistas séculos), corrigir o maior de seus defeitos que é a tirania da burocracia. De outro lado como evitar que, ao privatizar o público, não se  instale um estado de corrupção e clientelismo consentidos e incontroláveis?

Sou um defensor da saída pelas fundações estatais totalmente públicas, mas administradas sob direito privado. Não como panaceia, mas, como uma das hipóteses legais de fazer gestão pública menos paquidérmica e mais eficiente, dentro do estado de direito. Dentro da Legalidade.

 Ronald Ferreira, Presidente da Federação Nacional dos Farmacêuticos (Fenafar) e coordenador do Movimento Saúde+10.

As fundações não serão alternativas eficientes para a gestão do SUS se isso significar a desresponsabilização do estado na garantia do direito a saúde e o rompimento com os princípios do SUS.

Mas, sim, será, se significar a responsabilização do estado na garantia do direito a saúde e a materialização dos princípios do SUS.

Precisamos reafirmar a construção coletiva sobre o tema gestão da saúde, e, neste sentido, acho importante relembrar os pontos construídos no seminário de modelos de gestão organizado pelo CNS em 2007:

“Por um modelo de gestão dos serviços de saúde que:

1) seja estatal e fortaleça o papel do Estado na prestação de serviços de saúde;

2) seja 100% SUS, com financiamento exclusivamente público e operando com uma única porta de entrada;

3) assegure autonomia de gestão para a equipe dirigente dos serviços, acompanhada pela sua responsabilização pelo desempenho desses, com o aperfeiçoamento dos mecanismos de prestação de contas;

4) assegure a autonomia dos gestores do SUS de cada esfera de governo em relação a gestão plena dos respectivos fundos de saúde e das redes de serviços;

5) no qual a ocupação dos cargos diretivos ocorra segundo critérios técnicos, mediante o estabelecimento de exigências para o exercício dessas funções gerenciais;

6) envolva o estabelecimento de um termo de relação entre as instâncias gestoras do SUS e os serviços de saúde, no qual estejam fixados os compromissos e deveres entre essas partes, dando transparência sobre os valores financeiros transferidos e os objetivos e metas a serem alcançados, em termos da cobertura, da qualidade da atenção, da inovação organizacional e da integração no SUS, em conformidade com as diretrizes do Pacto de Gestão;

7) empregue um modelo de financiamento global, que supere as limitações e distorções do pagamento por procedimento;

8) aprofunde o processo de controle social do SUS no âmbito da gestão dos serviços de saúde;9) institua processos de gestão participativa nas instituições e serviços públicos de saúde;

10) enfrente os dilemas das relações público-privado que incidem no financiamento, nas relações de trabalho, na organização, na gestão e na prestação de serviços de saúde;

11) garanta a valorização do trabalho em saúde por meio da democratização das relações de trabalho de acordo com as diretrizes da Mesa Nacional de Negociação do SUS.

 Sílvio Fernandes, coordenador do Observatório Iberoamericano de Políticas e Sistemas de Saúde.

Penso que a conformação atual do Estado brasileiro não contribui para gestões públicas eficientes, eficazes e efetivas na saúde e isso nos obriga a sermos pragmáticos e estratégicos no curto prazo na busca das melhores alternativas visando ampliar o acesso e qualificar a atenção à saúde.

No momento, não existe uma alternativa ideal e única e ela deve ser escolhida considerando o contexto e as possibilidades que se apresentam em cada realidade.

As experiências apresentadas no curso “Fundação Estatal de Saúde da Família e de São Bernardo do Campo”, do qual participei, se mostraram com aspectos mais positivos do que negativos, e acho, sim, que, considerando a conjuntura atual, são alternativas eficientes para enfrentar muitas dificuldades do SUS.

Não podemos desconsiderar, no entanto, a necessidade de enfrentar obstáculos mais estruturais que contribuem manter lacunas e vazios assistenciais no SUS, e que se situam no campo da formação/educação e no financiamento público.

Neles, devem ser buscadas as explicações para a impossibilidade de contratação por disposições legais – LRF -, para a inexistência de profissionais de saúde com perfis condizentes, para a desmotivação para atuação em regiões afastadas e áreas estratégicas para o SUS, entre outras.

25/04/2013

 Jairnilson Paim, Doutor em Saúde Pública pela Universidade Federal da Bahia, professor titular da UFBA e integrante do Cebes.

Eficiência e efetividade são atributos utilizados em avaliação que, para além de opiniões, exige estudos e pesquisas para examinarmos, concretamente, efeitos ou desfechos. Portanto, para responder com consistência esta pergunta, teríamos de dispor de resultados de investigações concretas sobre o funcionamento de fundações utilizadas no SUS nos seus vários arranjos, comparando com a operação de estabelecimentos de saúde do SUS, geridos por administração direta.

Justamente por este motivo, atendi a um convite da Abrasco e escrevi  um texto, com a Profa. Carmen Teixeira, para as Teses da 13a. Conferência Nacional de Saúde*, defendendo a realização de experiências e pesquisas nessa perspectiva, diante da exarcebação da discussão ideológica sobre as fundações estatais propostas pelo Governo Lula naquela época. Lamentavelmente, este caminho não foi seguido e, praticamente, estamos no mesmo ponto. Portanto, a minha resposta representa mais uma opinião, fruto de reflexões, debates e observação não sistemática, em vez de um conhecimento produzido cientificamente.

Feita esta ressalva, reconheço que nos últimos seis anos o SUS tem sido privatizado por fora e por dentro, decorrente das relações espúrias presentes na articulação público-privado, bem como das decisões (e não decisões) do governo federal contrárias ao fortalecimento de um sistema público e universal de saúde.

Desse modo, os gestores que têm a responsabilidade de operar serviços públicos de distintas complexidades se vêem na obrigação de buscar alternativas para assegurar o funcionamento dos serviços, diante dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, da legislação que regula as licitações, das regras burocráticas que atravessam o direito asministrativo brasileiro e os chamados “orgãos de controle”, da ausência de uma carreira de Estado para os trabalhadores do SUS e das vicissitudes do mercado de trabalho médico do país.

Como não desenvolvemos uma reforma democrática do Estado que garantisse o avanço e a sustentabilidade econômica, político-institucional e centífico-tecnológica do SUS e reconhecesse as especificidades e necessidades desse sistema, mediante uma reatualização do direito administrativo brasileiro, encontramo-nos nesse impasse.

Finalmente cabe lembrar que o artigo 4º da Lei 8080/90 estabelece que o SUS é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. Portanto, desde as origens do SUS e da sua legislação existiam as fundações. Tínhamos a Fundação SESP, temos a Fiocruz e a Funasa, assim como a Anvisa, a ANS e as universiades federais, enquanto autarquias especiais, bem como a Hemobrás, empresa pública criada pelo Governo Lula e prestes a funcionar. Todos esses  órgãos e instituições são da administração indireta.

Acompanho com muita atenção, respeito e apreço o movimento contra a privatização do SUS, mas esta não se dá apenas pelas PPP, EBSERH, fundações, OS e Oscip. A maior privatização do SUS se realiza pelos estímulos  do Estado aos planos e seguros privados de saúde, pelo subfinanciamento do SUS e pela insuficiente regulação do setor privado pelo Estado, especialmente através do Ministério da Saúde e da  ANS.

Seria muito interessante se as energias gastas em denúncias e debates ideológicos sobre essas alternativas de gestão pública, inclusive capitaneadas por partidos da chamada base aliada do governo federal, pudessem ser canalizadas para a elaboração de projetos de lei a serem submetidos ao Congresso Nacional, estabelecendo um regime especial de gestão pública para o SUS que reconhecesse a complexidade e as especificidades deste sistema, patrimônio do povo brasileiro.

* Paim, J.S. & Teixeira, C.F. Configuração institucional e gestão do Sistema Único de Saúde: problemas e desafios.  Ciência & Saúde Coletiva, 12 (Sup.):1819-1829, 2007.

 

 Maria Valeria Correia, doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco, representante da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde

A Frente Nacional contra a Privatização da Saúde não considera as Fundações como alternativas eficientes para a gestão do SUS. Ela entende que este modelo de gestão é contrário ao que historicamente foi defendido pela Reforma Sanitária brasileira: serviços de saúde sob a administração direta do Estado e estatização progressiva desses serviços.

A Frente posiciona-se contra as Fundações porque a personalidade jurídica de direito privado, característica das mesmas, permite que os serviços de saúde funcionem de acordo com as leis de mercado, ameaçando o caráter público da saúde.

A forma de contratação da força de trabalho prevista nas Fundações Estatais de Direito Privado é a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a qual quebra a estabilidade do servidor público, duramente conquistada. Outro fator importante é a perda do controle social tão caro às lutas sociais, pois as decisões serão tomadas por um Conselho Administrativo. E, ainda, as Fundações Estataisnão serão obrigadas a contribuir com o fundo público.

Outro ponto a ser destacado é que nos estados e municípios onde este modelo foi adotado, mesmo sem legislação federal que permita, existem várias irregularidades sendo apuradas pelo Ministério Público Estadual e Federal.

A Frente é contrária aos novos modelos de gestão do SUS, tanto as Fundações Estatais de Direito Privado, como as Organizações Sociais (OSs) e a Empresa Brasileira de Serviço Hospitalar(EBSERH) já que permitem que o Estado repasse a gestão para entidades de direito privado, através de contratos de gestão mediante o repasse de recursos públicos, deixando de ser o executor direto dos serviços de saúde.

Estes modelos desconsideram as tarefas e competências fixadas pela Constituição Federal para a Administração Pública a serem executadas pelo regime jurídico do Direito Público. Neste sentido, se configuram como fraude constitucional. A legislação do SUS admite a participação complementar do setor privado ao setor público e não a concessão de serviço público, ou seja, é ilegal a transferência pelo Estado, de suas unidades hospitalares, prédios, móveis, equipamentos, recursos públicos e, muitas vezes, pessoal para uma entidade de natureza privada. O Poder Público não pode abrir mão da prestação do serviço que lhe incumbe para transferi-la a terceiros.

Os Fóruns estaduais e municipais que integram a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde posicionam-se em consonância com a 14ª Conferência Nacional de Saúde que rejeitou “a proposição das Fundações Estatais de Direito Privado (FEDP), contida no Projeto de Lei nº 92/2007, e as experiências estaduais/municipais que já utilizam esse modelo de gestão, entendido como uma forma velada de privatização/terceirização do SUS”; e com o Conselho Nacional de Saúde que em sua 174ª reunião ordinária, de 13 de julho de 2007, deliberou contrário à proposta de instituir as Fundações Estatais.A Frente Nacional afirma que não podemos contar com este modelo de gestão porque os problemas enfrentados pelo SUS não estão centrados no seu modelo de gestão, pelo contrário, a não efetivação deste modelo é que se constitui o problema a ser enfrentado.

24/04/2013

 Nelson Rodrigues dos Santos, doutor em medicina Preventiva pela Universidade de São Paulo, professor da Universidade Estadual de Campinas e membro do Conselho Consultivo do Cebes.

A Fundação Estatal de Direito Privado é a alternativa pública estatal às terceirizações privatizantes do gerenciamento de estabelecimentos públicos, com maximização da eficiência gerencial, porém sob total controle público e social, e submissão ao disposto no art. 37 da Constituição. Não há qualquer justificativa pública para entrega à OS´s, OSCIP´s e qualquer outro ente privado, se há a alternativa da FEDP.

Os princípios constitucionais da Administração Pública (caput do art. 37) da Legalidade, Impessoabilidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência aplicam-se integralmente à FEDP. Aplicam-se também à FEDP os princípios e diretrizes constitucionais da Seguridade Social e do SUS, assim como a legislação infraconstitucional.

Sua abrangência gerencial na saúde, respeitada a autonomia do Legislativo de cria-la em Lei, é a unidade prestadora de serviços de maior densidade tecnológica assistencial, geralmente hospitalar, ou de maior complexidade/abrangência microrregional, no caso da rede de UBS/Policlínicas/UPA’s, AME’s e outras ao nível de Distrito de Saúde.

Não é indicado, inclusive juridicamente, abrangência maior que as aqui exemplificadas, sob pena de ultrapassar os limites, nem sempre claros, entre o gerenciamento de unidades prestadoras de serviços e a própria gestão do sistema público, esta com responsabilidades inerentes ao gestor governamental e seus escalões de direção.

O melhor desempenho gerencial da FEDP, com melhor relação custo-efetividade a favor das necessidades e direitos da população, por si, não tem condições e potência para contrabalancear os efeitos pesadamente deletérios a essas necessidades e direitos, impostos pelo sub-financiamento e iniquidade dos repasses federais e estaduais, que tolhem os imprescindíveis investimentos, reinvestimentos e custeios; pela limitação no quadro do pessoal, imposta pela Lei da Responsabilidade Fiscal; pela precarização da gestão do pessoal e pela promiscuidade das relações SUS – planos privados de saúde, que impõe caráter complementar ao sistema público, em especial quanto a diagnósticos e tratamentos de maior custo além de outros graves descaminhos.

Por isso a Lei Autorizativa da criação da FEDP, além de aplicar os dispositivos da Constituição e da legislação nacional infraconstitucional, deve repeti-los, reforçá-los e detalhá-los no sentido de conferir a maior transparência e visibilidade, com a finalidade de reduzir chances dos interesses anti-públicos inibirem e/ou distorcerem sua aplicação.   

Nesse contexto, o melhor desemprenho gerencial da FEDP poderá ensejar elevação da consciência e mobilização da população a favor do SUS, fortalecimento político da Secretaria da Saúde, da Comissão Interinstitucional Regional de Saúde e do Legislativo, somando forças para a remoção dos obstáculos mencionados. Caso contrário os interesses e forças hoje hegemônicos que distorcem e cooptam a administração pública (direta e indireta) na saúde, não pouparão também as FEDP.

De acordo com os pressupostos acima, e em especial se forem amplamente conhecidos, discutidos, aprimorados e transformados em Lei, os temores, justificados pelas realidades das nossas políticas públicas, poderão ser revistos e somarem esforços no fortalecimento do sistema público de saúde. Exemplos:

• Os instrumentos do Direito Privado da FEDP não estão por si, em desacordo com os princípios do SUS: como instrumentos, são utilizados em função do interesse público por uma Fundação Estatal. Fortalecerão, por isso, as ações estritamente públicas, favorecendo a evolução das mobilizações sociais na direção de reformas democráticas do Estado, que venham ampliar e qualificar os instrumentos do setor público.

• Como todas as unidades públicas, a FEDP está sob o controlesocial direto dos movimentos sociais e em especial, do respectivo Conselho de Saúde, além dos órgãos públicos de controle interno e externo.

• Sob gestão e controle público e social, a FEDP, assim como as demais unidades públicas, não têm como economizar recursos do atendimento e das condições de trabalho para alocá-los em atividades menos prioritárias e mesmo excusas.

• As diretrizes aqui expostas e a Lei autorizativa não permitem espaço para a retirada de direitos trabalhistas, tanto dos estatuários como dos empregados públicos. Muito menos, propiciam ou favorecem divisões nos movimentos dos trabalhadores, estatuários ou não.

23/04/2013

 Maria Inês, Professora Associada da Faculdade de Serviço Social da UERJ; Pós-Doutora em Serviço Social pela UFRJ; integrante da Frente Nacional contra a Privatização da Saúde.

As fundações não são alternativas eficientes para a gestão do SUS. Segundo Granemann (2011, p. 52), as fundações estatais são formas atualizadas das parcerias público-privadas, das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), das Organizações Sociais (OS), das Fundações de Apoio e de numerosas outras tentativas que sempre tentam repetir o mesmo – privatizar – sob emblema diverso para que a resistência dos trabalhadores seja vencida.

O essencial é que as reduções do Estado para o trabalho em nome da eficácia e da eficiência do serviço ao público, pela mesma medida, significam o aumento do Estado para o capital e é por isto que as denominamos privatização.

Algumas questões podem ser levantadas com relação a esta proposta, tendo por referência a saúde: as fundações serão regidas pelo direito privado; tem seu marco na contrarreforma do Estado de Bresser Pereira/FHC; a contratação de pessoal é por CLT, acabando com o RJU (Regime Jurídico Único); não enfatiza o controle social, pois não prevê os Conselhos Gestores de Unidades e sim Conselhos Curadores; não leva em consideração a luta por Plano de Cargo, Carreira e Salário dos Trabalhadores de Saúde; não obedecem as proposições da 3ª Conferência Nacional de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, realizada em 2006; fragiliza os trabalhadores através da criação de Planos de Cargo, Carreira e Salário por Fundações (Bravo & Menezes, 2011, p. 20).

Em síntese, pode-se afirmar que:

• As Fundações Estatais privatizam as políticas sociais;
• Não contribui para a formação do fundo público;
• A Fundação terá imunidade tributária.
• As Fundações Estatais prejudicam os trabalhadores;
• Contratação da força de trabalho pela CLT;
• Remuneração da força de trabalho subordinada ao contrato de gestão;
• Cada fundação terá o seu quadro de pessoal;
• As Fundações Estatais não valorizam o controle social.

 Lenir Santos, doutora em saúde pública pela Unicamp e advogada.

A Fundação Estatal é uma entidade pública que integra a administração indireta do Estado, criada mediante autorização legislativa e está prevista no Decreto-lei 200, de 67 e na CF, art. 37, XIX. A partir de estudos iniciados em 2005 para a transformação do Grupo Hospitalar Conceição, situado em Porto Alegre, pertencente ao Governo Federal (para o qual fui contratada na ocasião), concluiu-se, com fundamentação jurídica, que seria viável elaborar um projeto de lei que pudesse dispor sobre a fundação estatal de maneira renovada, melhorando, assim, a gestão de serviços de saúde, em especial os hospitalares.

Naquele momento, o Ministério do Planejamento, passou a atuar no projeto da Fundação Estatal, o qual ficou sob a coordenação da servidora pública, Valéria Salgado. Foi elaborado um projeto de lei o qual foi encaminhado em 2007, PL 92, ao Congresso Nacional pelo Governo Federal.

Quais as inovações dessa categoria jurídica? A sua não dependência do orçamento público e sua vinculação ao órgão público supervisor mediante contrato de gestão o qual estabeleceria metas de gestão, qualidade, quantidade, eficiência, recursos financeiros e responsabilidade de seus dirigentes pela gestão.

Isso tornaria a fundação independente da lei de responsabilidade fiscal. Seu regime de pessoal CLT, com admissão mediante concurso, e a possibilidade de ter regulamento próprio de licitação e contratos. O conselho curador como o órgão de decisão pela autorização dos quantitativos de pessoal, salário e demais atos referente a pessoal.

Isso e outros atos tornam a fundação estatal uma entidade pública, cercada da necessária segurança jurídica, mas mais conforme as necessidades de gestão no mundo contemporâneo e em especial as da saúde composta por urgências, emergências, liminares judiciais e outras dificuldades da saúde.

A fundação estatal é uma forma de reestatização dos serviços públicos de saúde. Hoje contamos com muitas fundações estatais criadas pelos estados e municípios, num numero de mais ou menos 14. Podemos citar as primeiras delas que foram as três fundações estatais do estado de Sergipe, criadas em 2008. A fundação estatal da Bahia, Fundação Estatal Saúde da Família, instituída por 69 municípios baianos para gerir a saúde da família.

Temos ainda a fundação criada pelo município de Curitiba; três em Mato Grosso do Sul; uma em Porto Alegre e outras no interior do Estado.

Atualmente, com a decisão da AGU quanto à possibilidade de ser concedido às fundações o certificado de entidade beneficente de assistência social, sua gestão fica mais atraente.

Não se deve esquecer, também, que o Congresso Nacional votou o projeto de lei do Executivo o ano passado criando três fundações estatais: a FUNPRESP-EXE; a FUNPRESP-LEG e a FUNPRESP-JUD. As três fundações são fundações estatais.

Confira mais uma opinião amanhã!

22/04/13

Carlos Octávio Ocké-Reis, Economista, doutor em saúde coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Como podemos superar determinados gargalos da administração pública federal, em busca da eficiência e da equidade das políticas de Estado, na área da saúde? O ministro da saúde, Alexandre Padilha, defende a aprovação do projeto de lei complementar, do poder executivo, que cria Fundações Públicas de Direito Privado para o setor saúde (PLP 92/07). Mas isso significa publicizar o mercado ou mercantilizar o estatal?

Seu objetivo é criar instituições públicas híbridas (“quase-mercado”) que concorram com o setor privado em nível federal, estadual e municipal. Contudo, por sofrer resistência da sociedade civil organizada, inclusive, do próprio Conselho Nacional de Saúde – que considera essa proposta inconstitucional e privatista no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) – parece necessário refletir se tal projeto das fundações se afasta ou não do estatuto de cidadania pressuposto na Constituição de 88.

Considerando a necessidade de se construir um modelo de sociedade que supere o subdesenvolvimento e a dependência da economia brasileira, nos parece que uma coisa é propor que hospitais privados se tornem empresas públicas; outra é propor que hospitais públicos sejam, de um lado, organizados a partir de uma combinação técnica de indicadores econômicos, epidemiológicos e clínicos, e de outro, instrumentalizados para atrair a clientela de medicina privada.

Ademais, apenas para problematizar uma dimensão operacional da proposta, como medir (o trabalho é o produto trocado) e valorar (eficiência deve ser mensurada pela eficácia do tratamento) a produtividade do trabalho na produção das ações e serviços de saúde?

A meu ver, entretanto, a questão de fundo reside em outro lugar: boa parte dos problemas de gestão do SUS decorre da sua crise crônica de financiamento, e, portanto, a adoção de medidas de eficiência não pode servir de base para se cortar o nível de recursos financeiros ou organizacionais do SUS, tampouco para subtrair o caráter público da sua gestão.

Somos contra a corrupção e os desperdícios, mas qual município não perde capacidade de gestão diante das imposições da Lei de Responsabilidade Fiscal? A melhoria da eficiência pode, na realidade, significar e exigir o aumento dos gastos, em especial se o objetivo do governo federal for induzir a concorrência regulada no setor hospitalar. Nesse caso, existe uma variável estratégica para incrementar o papel do Estado nesta disputa: a qualidade dos profissionais de saúde e a racionalidade administrativa de seu regime de trabalho.

Desse modo, embora seja meritório discutir o nível salarial e formas diferenciadas de remuneração, a carreira dos profissionais de saúde, nas três esferas de governo, precisa antes ser vista e enquadrada – fustigando a medicina liberal, o empresariamento médico e as terceirizações do SUS – enquanto carreira de Estado, à luz das normas do Regime Jurídico Único (RJU).

O SUS deve assim disputar hegemonia com mercado, mas não podemos, no plano das instituições do Estado, fragilizar o direito público (social) subjacente ao estatuto da cidadania, sob o pretexto de driblar a lei de licitação ou qualquer outra forma de controle público.

Precisamos, a um só tempo, fortalecer a gestão pública, inovar no campo do direito público e alargar a participação social, criando melhores condições institucionais para gerenciar o sistema e os serviços públicos do SUS, em direção à valorização do servidor público e à superação da hegemonia social-liberal – que tem no artigo 199 da Constituição, que reza que a saúde é livre a iniciativa, um ponto de apoio significativo, que fragiliza a noção que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado.

Fonte: Cebes

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