O SUS foi importante para pandemia e terá papel fundamental no período pós Covid, avaliam especialistas durante debate organizado pelo Conass

Principal política pública de inclusão social e uma das mais poderosas ferramentas para a redução da desigualdade no País, o SUS mostrou, durante o enfrentamento da  Covid-19, a importância da existência de um sistema de saúde público, gratuito e universal. A resposta à doença foi exemplar, com abertura de leitos, a organização de um guia para orientação de profissionais de saúde e aprimoramento do sistema de vigilância. A relevância do sistema, extremamente exigido no período da pandemia, será ainda maior quando a curva de casos e de mortes começar a se reduzir.

“É preciso pensar numa agenda pós pandemia”, alertou o consultor do Conass, Eugênio Vilaça. Para ele, no entanto, qualquer mudança deve ter como objetivo o reforço do sistema.  “O SUS foi importante durante a pandemia e continuará sendo. Qualquer alteração que represente seu enfraquecimento trará morte e sofrimento. Quem defender um sistema mais frágil, deverá assumir a responsabilidade pelas consequências trágicas”, afirmou o consultor em saúde, Renato Tasca.

As avaliações foram feitas durante o debate virtual realizado nesta sexta pelo Conass, para celebrar os 30 anos da Lei n. 8080, a lei que regulamentou o Sistema Único de Saúde. Mediado pelo coordenador técnico do Conass, Fernando Cupertino, o evento contou com a participação ainda do professor do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Jairnilson Paim e do ex-presidente do Conasems, Eri Medeiros.

Vilaça observou que o SUS será muito demandado em virtude da terceira onda, como é chamada a expectativa de aumento da procura por serviços de saúde. A maior pressão é reflexo indireto dos primeiros meses da pandemia. Para evitar o crescimento expressivo de infecções pelo  novo coronavírus, num primeiro momento o atendimento de saúde ficou restrito a casos mais urgentes. Cirurgias agendadas foram adiadas e os próprios pacientes, com receio de se contaminar, desmarcaram atendimentos. Os números já mostram o impacto desse comportamento. O País realizou até junho menos da metade dos transplantes, a cobertura vacinal foi 60% menor do que era esperado, 390 mil cirurgias e exames complexos deixaram de ser feitos. A estimativa é de que, entre março e maio, 50 mil brasileiros tenham ficado sem diagnóstico de câncer e 38% das pessoas com diabetes adiaram consultas e exames.

“O sistema tem de estar preparado para atender essa demanda, que ficou reprimida”, afirma Vilaça. Além disso, caso uma vacina eficaz para Covid-19 seja desenvolvida e registrada no País, caberá ao SUS o desenho de uma estratégia para aplicação em toda população. “E isso somente se faz com sistema forte”, disse Tasca. Justamente por isso, tanto Vilaça quanto Tasca ressaltam a importância de se garantir um orçamento condizente para necessidades do sistema, em 2021.

Durante o debate virtual, batizado de “Celebrando o SUS: 30 anos da Lei 8080”, Paim traçou um histórico da formação do sistema. Ele lembrou que o movimento que defendia o direito à saúde e a reforma sanitária havia começado antes da Constituição Federal. Um dos momentos mais importantes para definição da reforma foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que reforçou o conceito da saúde como dever do Estado. A Lei 8080, editada dois anos depois da Constituição Federal, regulamentou os princípios. “Ela não é necessariamente do SUS, mas da saúde no Brasil. E seus termos já demonstravam a preocupação com a viabilidade do sistema.”

Eri Medeiros lembrou que, durante o processo da elaboração da lei, o movimento contou com muitos aliados, mas também com muitos desafios. Medeiros, que estava à frente do Conasems quando a Lei 8080 foi publicada, conta que o conceito ia muito além da saúde. “Era de dignidade humana”, completa. De acordo com ele, boa parte dos preceitos da Lei Orgânica da Saúde é inspirada na Carta de Porto Alegre, publicada em 1989.

Tasca destacou ainda o caráter inovador do SUS. Ele observou que, 30 anos depois, o sistema, com inegáveis qualidades, não é o que todos esperavam. “Temos um sistema subfinanciado e ameaçado. Mesmo assim, mesmo com dificuldades, os resultados são extraordinários. Sistemas de saúde com a mesma proporção de gasto em saúde pública não conseguiram resultados como o SUS ou a sua estruturação”, disse. “Com todas as dificuldades, ele sobrevive, com resultados extraordinários.”

Vilaça dá alguns exemplos da mudança provocada pelo SUS. Quando iniciou o atendimento em saúde, em Minas, contou, 42% das crianças apresentavam desnutrição, a taxa de mortalidade infantil era de 120 óbitos por cada mil nascidos vivos, metade dos municípios não tinha ambulatório.  Hoje, graças ao SUS, 82,7% da população tem cobertura do SAMU, o Brasil é o país que mais realiza transplante por meio do sistema público de saúde, 2 milhões de partos são realizados no SUS. “Os avanços são inegáveis”, avaliou. Apesar dos indicadores, pesquisas demonstram ainda um pessimismo em relação aos serviços. A insatisfação está relacionada sobretudo ao acesso a exames especializados, às internações de alta complexidade. Para o consultor do Conass, o melhor caminho para conquistar a adesão ao SUS é justamente reduzir o tempo de espera de acesso aos serviços. Isso se conquista, avalia, não mudando o arcabouço legal do SUS ou reduzindo seus princípios, mas com ajustes, como a gestão dos serviços em rede, a adoção de um modelo de atenção às doenças crônicas, novas formas de remuneração e mais recursos públicos investidos no setor. “Mas é preciso cuidar para manter a base legal. A nação tem de estar atenta agora.”

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