Obesidade contagiosa

Editorial do jornal Folha de S. Paulo, de 11 de fevereiro de 2013.

Quando o assunto é epidemia, costuma-se associar a noção com a de doenças infecciosas, como a gripe. Portanto, era mais em sentido figurado que se falava em “epidemia de obesidade” em países como os Estados Unidos e o Brasil -até agora, porque descobertas recentes vêm emprestar um sentido mais literal à expressão.

O que aos poucos se revela é que esses germes parecem desempenhar algum papel no ganho anormal de peso por humanos. Pode ser o início de uma revolução no tratamento do problema, como se deu no caso da vinculação da bactéria Helicobacter pylori com o câncer de estômago, ou do vírus HPV com os tumores de colo de útero.

Um ser humano normal abriga cerca de 100 trilhões de bactérias (dez vezes mais que as células de seu próprio corpo). A maioria delas é inócua, ou mesmo benéfica, como centenas de tipos que colonizam o trato intestinal, onde atuam como auxiliares da digestão.

Ganha aceitação entre pesquisadores a hipótese de que tais microrganismos componham o análogo de um ecossistema. Em equilíbrio, a comunidade microbiana obtém nutrientes e ajuda o corpo a processar certos alimentos. Em desequilíbrio, pode desencadear patologias -como a obesidade.

A ideia foi reforçada quando se descobriu, anos atrás, que cada pessoa hospeda um tipo específico de flora intestinal, dos três até então identificados. Ou seja, uma combinação característica de bactérias (assim como a circulação de certas substâncias em suas veias e artérias a fez pertencer a determinado tipo sanguíneo).

A hipótese seguinte foi que uma das combinações tornaria portadores mais propensos a engordar. Partindo dela, um grupo de pesquisadores da Universidade Jiao Tong, de Xangai (China), se lançou na busca dos germes que seriam responsáveis pelo “ecossistema interior” propício à obesidade.

A equipe encontrou uma forte candidata: a cepa B2 da Enterobacter cloacae, cuja associação com a adiposidade se esteia em duas ordens de evidências, em seres humanos e também em roedores.

Primeiro, os cientistas chineses submeteram um obeso a dieta projetada para diminuir a população da bactéria suspeita em seu trato intestinal. O homem emagreceu 51,4 kg em 23 semanas, e o germe se tornou indetectável depois disso.

Em seguida, inocularam a bactéria num grupo de camundongos alimentado com a mesma dieta do grupo de controle. Os roedores infectados engordaram muito mais.

Não é uma prova definitiva, mas promissora. E revolucionária.