Para secretários da Saúde, a PEC que limita gastos deve tirar R$ 654 bi do SUS em 20 anos

VALORA implementação da PEC 241, que propõe limitar o aumento dos gastos públicos de um ano à inflação do ano anterior, representará retração de R$ 654 bilhões nos recursos para a saúde nos próximos 20 anos, e agravará a “asfixia financeira” que já atinge o Sistema Único de Saúde (SUS). Na educação, a projeção é que a área perca R$ 58 bilhões em recurso até 2025, redução que impediria o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE).

As estimativas são do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e do Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde (Conass). Os técnicos Blenda Leite e Daniel Faleiros projetaram os gastos para as próximas décadas pelas regras atuais, e compararam os dados às projeções feitas com base nas novas regras previstas na PEC 241

“Mesmo que ocorra elevação da arrecadação tributária nos próximos anos, novos recursos financeiros não serão destinados necessariamente às áreas sociais”, afirmam as entidades em nota conjunta. Assinada por Mauro Guimarães Junqueira, presidente do Conasems, e João Gabbardo dos Reis, do Conass, a nota afirma que as medidas irão “agravar ainda mais a asfixia financeira que o SUS atravessa”.

Atualmente, os gastos públicos com saúde são regidos pela Emenda Constitucional 86, que estabelece destinação crescente e escalonada de recursos, calculada em percentuais da Receita Corrente Líquida (RCL), de 13,2% em 2016

A projeção do estudo é que, pela regra da PEC 241 que limita a expansão ao IPCA do ano anterior, a saúde receberia R$ 2,82 bilhões a menos já em 2017, R$ 31 bilhões a menos em 2026, até que a perda chegasse a R$ 59 bilhões em 2036. No período, a redução ano a ano em relação à regra atual acumularia R$ 654 bilhões. A projeção considerou inflação de 7,21% em 2016 e 5,29% em 2017, com base nas estimativas do boletim Focus, do Banco Central. Para 2018 em diante, a estimativa considerou inflação de 4,5%, referente ao centro da meta perseguida pelo BC.

Conasems e Conass participaram na terça-feira da audiência pública “A Saúde na UTI”, realizada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Brasília. Junqueira, do Conasems, afirmou em discurso durante o evento que a PEC 241 é “o xeque-mate do sistema de saúde”, e que representará menos 12 mil leitos de UTI e menos 4 mil equipes de saúde da família

A nota divulgada pelas entidades destaca que a retração ocorrerá em um momento em que o desemprego e a queda da renda “forçam ainda mais as pessoas a buscarem o SUS”. “A PEC desconsidera principalmente qualquer crescimento ou envelhecimento da população. A necessidade de saúde vai ser maior para a população idosa, que está crescendo”, diz a técnica Blenda Leite.

No documento, o grupo defende o combate ao desperdício com gestão eficiente dos recursos públicos, mas diz que “a melhoria da gestão pública não implica redução do gasto público”. “Contenção de gastos na saúde fatalmente reduz ou interrompe serviços”, afirmam os secretários. Segundo eles, nos últimos anos, a União tem repassado a responsabilidade do financiamento da saúde para as demais esferas de gestão do SUS.

Embora a regra constitucional determine que Estados e municípios destinem 12% e 15% de suas receitas para a saúde, eles respondem, juntos, por 58% do total de gasto público em saúde. Estados e municípios aplicaram, em 2015, respectivamente R$ 25 bilhões e R$ 6,4 bilhões acima do mínimo constitucional, diz a nota.

Para a educação, a estimativa é que as despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino, rubrica que abriga a remuneração dos professores, por exemplo, cairia anualmente já a partir de 2018, abaixo dos 18% da receita líquida de impostos, mínimo exigido pela Constituição. Em 2025, por exemplo, seriam R$ 17 bilhões a menos, prevê estudo técnico elaborado pela Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados e também divulgado pelas entidades. As perdas anuais, somadas, devem totalizar R$ 58 bilhões até 2025.

Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, diz que a PEC 241 praticamente inviabiliza o Plano Nacional de Educação, que exige até 2024 expansão de 3,4 milhões de matrículas em creches, 500 mil matrículas do ensino fundamental, 700 mil na pré-escola e 2 milhões no ensino superior. “Temos muita necessidade de  financiamento.”

Cara destaca ainda que, entre 2007 e 2015, os gastos federais cresceram muito acima do que exige o mínimo constitucional, o que não aconteceria caso a PEC 241 já existisse. “O Brasil vive hoje o seu último bônus demográfico. A partir de agora vai se tornar um país adulto e, posteriormente, idoso”, diz o especialista, em vídeo divulgado pela campanha  “Um país idoso sem ter tido educação de qualidade significa um país idoso sem capacidade de participar da economia mundial”, afirma.

Via Jornal Valor Econômico