STF julga nas próximas semanas fornecimento de medicamento experimental

Por Felipe Recondo | Brasília
Foto: Carlos Humberto/SCO/STF

A polêmica em torno das liminares que garantem o fornecimento de medicamento experimental contra o câncer – fornecido pela Universidade de São Paulo (USP) e sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – poderá ser resolvida nas próximas semanas pelo Supremo Tribunal Federal. A própria universidade nega que a substância possa ser usada como remédio.

O ministro Marco Aurélio Mello liberou para julgamento, no dia 8 deste mês, o Recurso Extraordinário 657.718 que trata justamente o fornecimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de medicamento sem registro na Anvisa.

O recurso com repercussão geral contesta decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que entendeu não se poder obrigar o Estado a fornecer medicamento carente de registro.

Em sua manifestação em favor da existência da repercussão geral – e portanto pelo prosseguimento do processo no STF – o ministro Marco Aurélio ressaltou a relevância social do assunto.

“O tema é da maior importância para a sociedade em geral no que, de início, cumpre ao Estado assegurar a observância do direito à saúde, procedendo à entrega do medicamento. Surge, então, o questionamento: em se tratando de remédio não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) há a obrigatoriedade de o Estado o custear? A resposta do Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi em sentido negativo e ao Supremo cabe a última palavra sobre a matéria, ante os preceitos dos artigos 6º e 196 da Constituição”, ponderou o ministro.

Este recurso extraordinário foi citado pelo ministro Edson Fachin na liminar que concedeu no início do mês para suspender decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que impedia uma paciente de ter acesso a substância contra o câncer fornecida pela Universidade de São Paulo.

No caso decidido pelo ministro Fachin, Alcilena Cincinatus afirma sofrer da doença e estar em fase terminal. Laudo médico teria indicado a utilização da substância – Fosfoetanolamina Sintética – para mitigar os sintomas da doença.

Inicialmente, ela recorreu à Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Carlos. A liminar foi deferida. Em seguida, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu os efeitos da decisão, tendo como um dos argumentos justamente a falta de registro do medicamento na Anvisa.

No pedido encaminhado ao Supremo, a paciente alegou que o direito à saúde seria um bem maior a ser protegido e ressaltou que seguia orientação médica diante da ineficácia de outros tratamentos.

Na sua decisão, o ministro Edson Fachin assinalou que o reconhecimento da repercussão geral do tema – fornecimento de medicamento não registrado na Anvisa – demonstra ser razoável o pedido da paciente.

“No que tange à plausibilidade, há que se registrar que o fundamento invocado pela decisão recorrida (do TJ de SP) refere-se apenas à ausência de registro na Anvisa da substância requerida pela peticionante. A ausência de registro, no entanto, não implica, necessariamente, lesão à ordem púbica, especialmente se considerado que o tema pende de análise por este Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral (RE 657.718-RG, Relator Ministro Marco Aurélio, Dje 12.03.2012)”, disse o ministro na liminar.

“Neste juízo cautelar que se faz da matéria, a presença de repercussão geral (tema 500) empresta plausibilidade jurídica à tese suscitada pela recorrente, a recomendar, por ora, a concessão da medida cautelar, para suspender decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em sede de Suspensão de Tutela Antecipada 2194962-67.2015.8.26.0000”, concluiu Fachin.

Leia a íntegra da decisão.

Diante da polêmica judicial, a USP divulgou nesta semana uma nota desaconselhando o uso da substância. Segundo a universidade, “é compreensível a angústia de pacientes e familiares acometidos de doença grave. Nessas situações, não é incomum o recurso a fórmulas mágicas, poções milagrosas ou abordagens inertes”.

Veja trechos do comunicado:

Essa substância não é remédio. Ela foi estudada na USP como um produto químico e não existe demonstração cabal de que tenha ação efetiva contra a doença: a USP não desenvolveu estudos sobre a ação do produto nos seres vivos, muito menos estudos clínicos controlados em humanos. Não há registro e autorização de uso dessa substância pela Anvisa e, portanto, ela não pode ser classificada como medicamento, tanto que não tem bula.

Além disso, não foi respeitada a exigência de que a entrega de medicamentos deve ser sempre feita de acordo com prescrição assinada por médico em pleno gozo de licença para a prática da medicina. Cabe ao médico assumir a responsabilidade legal, profissional e ética pela prescrição, pelo uso e efeitos colaterais – que, nesse caso, ainda não são conhecidos de forma conclusiva – e pelo acompanhamento do paciente.

Portanto, não se trata de detalhe burocrático o produto não estar registrado como remédio – ele não foi estudado para esse fim e não são conhecidas as consequências de seu uso.