Um por mês – artigo de opinião do secretário de Estado da Saúde do Maranhão, Carlos Lula

Artigo do secretário de Estado da Saúde do Maranhão, Carlos Lula,

Fazer saúde pública no Brasil sempre foi um desafio. Para muitos de nós, esta é a primeira vez que o cargo de ministro da saúde fica vago duas vezes em menos de um mês. Adjetivar a passagem do ex-ministro de “breve” é o primeiro impulso, mas devemos lembrar que curtos períodos entre os gestores infelizmente têm sido regra em vez de exceção.

O Ministério da Saúde só surge como ente autônomo em julho de 1953, deixando a pasta da Educação, da qual fazia parte. De lá para cá, temos pouco mais de 66 anos de autonomia e a absurda conta de 48 Ministros que por lá passaram. A média de permanência no cargo é de pouco mais de 16 meses.

Inicialmente é um dado que impressiona, mas quando colocamos em perspectiva a cronologia de ocupação do cargo, desde sua criação, o Ministério demora menos de um ano e meio para troca de seu comando. Apenas cinco Ministros ficaram no cargo por um período maior que três anos. Isso ocorreu nos governos de Ernesto Geisel e João Figueiredo (período de exceção) e após a criação do SUS, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Em termos de números, Waldyr Arcoverde foi o mais longevo, tendo permanecido no cargo pouco mais de cinco anos, durante o governo Figueredo. Vasco Leitão da Cunha e Saulo Moreira dividem os mesmos 11 dias de permanência à frente da pasta, o primeiro compôs o governo Ranieri Mazzilli e o segundo compôs o governo de Itamar Franco.

A frequência de trocas de ministros só não supera as que ocorrem em escalas estadual e municipal. Poucas cidades do país evitam a troca dos gestores da saúde por entenderem que alguns dos resultados prometidos em período de campanha dependem mais da ciência, do que da vontade do mandatário. A lógica tripartite de funcionamento do SUS é um imperativo para as políticas públicas voltadas para a saúde da população e o executivo, tanto estadual quanto municipal, tem muita pressa na visualização de resultados práticos.

Esta pressa talvez seja uma das chaves para explicar tantas mudanças no comando do ministério da saúde, bem como na dificuldade extrema (ainda mais em tempos de pandemia) de encontrar resultados satisfatórios que dialoguem com o que foi prometido na campanha eleitoral.

As respostas, quando tratamos do SUS, infelizmente não chegam na velocidade que desejamos. E ainda bem que não chegam, uma vez que uma medicação profilática, uma vacina, um protocolo clínico só pode ser medido com garantida eficácia se tivermos informações suficientes a respeito dos seus benefícios ampliados e efeitos colaterais minimizados.

Segundo levantamento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, de janeiro de 2019 até o presente momento, 17 Secretários estaduais da Saúde já foram substituídos em 10 estados. Uma média de uma troca por mês. Somente o estado de Roraima já trocou cinco vezes de gestores. Em 17 meses, seis secretários diferentes. Como esperar estabilidade com tantas mudanças? Como colher resultados sólidos se não proporcionamos tempo para que o trabalho seja consolidado?

É óbvio que a escolha de um ministro, de um secretário estadual ou municipal de saúde passa também por uma indicação política. Não tiro esse horizonte da análise em momento algum, mas é preciso pensar como essa indicação tem afetado significativamente o planejamento estratégico das políticas públicas no âmbito da saúde.

A pandemia chegou, o maior desafio para qualquer gestor de saúde se apresenta diante de nossos olhos e não temos consensos entre a principal linha de comando do SUS. Precisamos somar esforços e construir pontes de diálogo, agregar experiências exitosas (baseadas mais em evidências científicas do que em expectativas milagrosas) para sair disto tudo com uma estrutura burocrática fortalecida.

O ministro Mandetta deixou a pasta pedindo que fortalecêssemos o SUS, o ministro Teich deixou a pasta demonstrando na prática que é impossível sustentar divergências médicas e políticas quando estamos falando em protocolos clínicos.

Somos gestores, e essa atribuição da dispensação da cloroquina é da equipe médica, que tem lidado diariamente com os avanços e com os efeitos colaterais do medicamento. Estas incertezas passam por todos nós e mesmo os colegas secretários que são médicos têm seus receios em relação às propriedades efetivas da cloroquina.

Mas percebam uma coisa: não podemos reduzir o combate ao coronavírus apenas a isto! Existe uma logística dificílima e minuciosa a ser enfrentada. Insumos, EPI’s, profissionais de saúde, testagem da população, isolamento social. Chega a ser um desalento perceber que temos perdido batalhas ao cair em debates que não são primordiais, quando temos uma infinidade de providências a serem tomadas enquanto tentamos segurar o sistema público de saúde.

Resistiremos enquanto for possível, e digo isso por duas razões. Primeiro porque foi o compromisso que assumimos com o povo maranhense. A confiança depositada nas nossas mãos é imensa. E em segundo porque não é do nosso feitio abandonar a batalha. Em contraste com o tempo de permanência dos titulares da saúde de outros estados, no Maranhão temos privilegiado o planejamento a médio e longo prazo, reorganizando o direcionamento da nossa saúde pública.

Assumir que os mandatos são passageiros e ter um pacto com a estruturação da rede de saúde, não se submeter às vaidades que a gestão pública por vezes apresenta. Governar para além do projeto político, pensando em que capacidade instalada servirá de legado para a sociedade, principalmente para os que mais precisam do sistema. Não há outra saída além disto, mas não significa que esta saída seja fácil.

As diretrizes sobre os indicadores a longo prazo são o que nos orientam por aqui. É o impulso pela ciência e no que nossa projeção estatística tem indicado. Nenhuma medida se baseia em convicções individuais daquilo que eu acredito. Na minha mesa de trabalho eu divido espaço com o terço e com os gráficos sobre casos confirmados de coronavírus.

Carlos Lula é secretário de Estado da Saúde do Maranhão e vice-presidente do Conass na Região Nordeste