Conass destaca o Dia da Luta Antimanicomial

“Esquecer é negar a história e se a gente nega e esquece a história acabamos repetindo os erros do passado”, disse a jornalista Daniela Arbex em entrevista ao Conass que, neste 18 de maio, dia em que se celebra a Luta Antimanicomial, chama a atenção para a importância desta causa e reafirma a luta por uma Política de Saúde Mental justa e inclusiva.

Daniela Arbex é autora do livro Holocausto Brasileiro, que descreve a barbárie cometida no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena/MG, conhecido apenas por Colônia onde mais de 60 mil internos morreram. Além de pessoas com problemas mentais o hospital recebia também todos aqueles indivíduos considerados fora dos padrões da sociedade à época, como homossexuais, prostitutas, epiléticos, mães solteiras etc. “O relato dos horrores vividos dentro do Colônia na verdade ajuda a contar a história da saúde mental no Brasil. Como que uma sociedade higienista, preconceituosa e excludente produziu toda essa barbárie?”, refletiu.

Para a jornalista é extremamente necessário constituir a memória coletiva do Brasil, principalmente em relação aos acontecimentos do hospital Colônia. No entanto, observou que até hoje ainda há pessoas que negam estes acontecimentos. Ela ressaltou ainda, que o País tem uma dívida histórica com a população de pessoas com sofrimento mental. “Infelizmente esse pensamento e essa cultura de limpeza social estão muito presentes na nossa sociedade, por isso ainda continuamos varrendo para debaixo do tapete tudo que nos incomoda”.

Daniela, que também é defensora dos Direitos Humanos, disse que seu trabalho é exatamente colocar o dedo na ferida para que possamos olhar para nossos problemas de frente. “Temos de mudar essa cultura porque o esquecimento gera barbárie”, enfatizou.

Questionada sobre a Política de Saúde Mental do Brasil e os mais recentes ataques que ela tem sofrido (recentemente houve a revogação do Programa de Desinstitucionalização para reinserção social de pessoas com problemas de saúde mental e a revogação do mecanismo de financiamento do programada Rede de Atenção Psicossocial, além da publicação de edital do Ministério da Cidadania que incentiva hospitais psiquiátricos), a jornalista foi categórica ao afirmar que a atual política de saúde mental do País caminha a passos largos para um retrocesso. “Basta dizer que o hospício volta a ser aceito dentro de uma realidade em que os leitos de baixa qualidade vinha sendo extintos. Hospital não é lugar de moradia. Vejo com muita preocupação o atual panorama da saúde mental no Brasil”, afirmou.

Daniela Arbex é jornalista e relatou os horrores ocorridos no Hospital Colônia (Foto: arquivo pessoal)

Para Daniela é preciso entender que o tratamento e o cuidado em liberdade são direitos dessa população e não é mais aceitável o encarceramento institucional como forma de tratamento. “Que fiquemos atentos porque a omissão coletiva gera barbárie. Foi esta omissão que fez com que o Hospital Colônia vivesse oito décadas de exclusão e violência institucional. Não podemos permitir que aconteça novamente”, disse.

Ao final da entrevista, Daniela deixou claro que, a partir do momento que voltamos a discutir internações em instituições de longa permanência e modelos que privam a liberdade, estamos voltando a falar que podemos sim, viver um novo holocausto. “Isso é inaceitável. Meu apoio e solidariedade a todas as pessoas que continuam lutando para que a reforma psiquiátrica no Brasil seja realidade e não algo do passado porque essa luta é permanente”, concluiu.

Saúde Mental no Brasil

No final da década de 70, em meio ao processo de redemocratização do País, houve o Movimento da Reforma Psiquiátrica. Na época, profissionais de diferentes categorias, instituições acadêmicas, associações, familiares, pacientes, entre outros, questionaram o modelo de assistência psiquiátrica nos hospitais e propuseram um novo modelo para saúde mental no Brasil, assim dariam a garantia de um tratamento digno a pessoas com problema de saúde mental, que historicamente foram discriminados e excluídos da sociedade.

Aos poucos, o Ministério da Saúde começou a substituir os tratamentos dentro dos hospitais por atendimentos comunitários e através das Leis Federais nos 8.080/1990 e 8.142/90, quando foi instituída a rede de atenção à saúde mental, junto com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Com essas novas leis, foram atribuídas aos estados, a responsabilidade de promover um tratamento em comunidade, possibilitando a livre circulação dos pacientes e não mais a internação e o isolamento, contando com os serviços de Centros de Atenção Psicossocial (Caps); os Serviços Residenciais Terapêuticos; os Centros de Convivência e Cultura, as Unidade de Acolhimento e os leitos de atenção integral (em Hospitais Gerais, nos Caps III).

“Todo esse processo foi fruto de uma construção coletiva de mudanças necessárias para um modelo de atenção a saúde mental de inclusão e respeito, acabando com aquele modelo de segregação e exclusão”, disse João Costa, gerente estadual de Atenção a Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Pernambuco. Segundo ele, a política de saúde mental pautada em rede diversificada, como é a Rede de Atenção de Psicossocial, preconiza que a pessoa seja reposicionada em uma nova rede de cuidados com a política da garantia de direito.

João ressaltou também que o desmonte que vem acontecendo hoje no Brasil, é uma a tentativa de requalificar o hospital psiquiátrico como sendo um modelo, deixando os serviços das Redes de Cuidados como um processo secundário. “Querem excluir o processo de luta coletiva e reviver um modelo que priva essas pessoas de serem vistas como diferentes e que têm suas particularidades e admitir que um modelo cabe para qualquer pessoa com problemas de saúde mental”, enfatizou. “Precisamos romper com essa lógica segregadora, é necessário ser resistente e fazer políticas públicas em conjunto, com estados, municípios e com o controle social”, enfatizou.

No dia 11 de abril, Conass e o Conasems manifestaram-se, por meio de nota, contrários ao edital do Ministério da Cidadania, que visa a seleção de organização da sociedade civil que preste atendimento como Hospital Psiquiátrico. Segundo os Conselhos, a iniciativa viola a Política Nacional de Saúde Mental, além de desrespeitar a organização de base comunitária e as respectivas redes de atenção.

Confira a nota na íntegra.

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