“O Brasil tem uma vantagem em relação aos outros países: nós temos o SUS”

Especialista discute sobre novo coronavírus e avalia consequências da chegada do Covid-19 à América Latina

Entrevista com o Secretário de Saúde Jurandi Frutuoso Silva Foto: Alex Costa, em 11/08/2005

Em dois meses, o mundo passou de um alerta do governo chinês sobre a existência de pneumonia grave com origem desconhecida para o estado de emergência internacional causado por um novo coronavírus. A região de Wuhan é o epicentro do problema, mas os casos da epidemia pularam a fronteira e seguem se disseminando. Na última quarta-feira, 26, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso em terras brasileiras – que é também o primeiro da América Latina. Em conversa com O POVO, o cearense Jurandi Frutuoso, atual secretário executivo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o cenário demanda “uma preocupação responsável”.

O POVO – No mesmo dia em que o Brasil foi incluído na lista de países com o novo coronavírus, outros oito países confirmaram os primeiros casos da doença. Era uma questão de tempo até que o Covid-19 chegasse ao Brasil?

Jurandi Frutuoso – As epidemias nos tempos modernos seguem o fluxo das pessoas, seja por migração, seja por turismo. Quando o novo coronavírus surgiu na China no fim de dezembro, era óbvio que, em algum tempo, ele chegaria a todos os continentes e a muitos países. Na epidemiologia a gente tenta estabelecer uma previsão desse fluxo, porque é inevitável que uma hora a epidemia bata à nossa porta. Portanto, era esperado que o Covid-19 chegasse ao Brasil e que fosse pela região Sudeste. Isso porque, devido ao padrão econômico, o maior fluxo para países onde o vírus já foi confirmado acontece por lá.

OP – Quais são as estratégias que as pastas de Saúde devem adotar a partir de agora?

Frutuoso – O Brasil tem uma vantagem em relação aos outros países: nós temos o Sistema Único de Saúde (SUS). Ele dá uma articulação entre os gestores e possibilita que o problema seja enfrentado com competência e tranquilidade. Logo após o anúncio da existência do coronavírus, o Ministério da Saúde preparou seu plano de contenção e os estados em conjunto com os municípios também. A estratégia é que a organização prévia permita enfrentar a situação com menos riscos para a população.

Nessa fase que se inicia, o trabalho é para evitar agravos e óbitos. A Secretaria de Atenção à Saúde está discutindo essas questões, revisando os planos de contingência e buscando uma estratégia que fortaleça os estados no enfrentamento dos casos. Diálogos institucionais sistemáticos serão fundamentais para captar as demandas e saber quais ações serão necessárias.

OP – Nos últimos dias, os casos em análise no País aumentaram em mais de dez vezes. Por que o número cresceu tão vertiginosamente?

Frutuoso – Esse salto não é à toa. À medida que o vírus se dissemina por mais países, aumenta-se o leque de notificações que devem ser feitas sobre as pessoas que chegam desses países e apresentam alguma queixa que possa se enquadrar na doença. Isso é comum de acontecer e o índice de casos suspeitos devem se expandir ainda mais. É preciso ter muita calma, responsabilidade e segurança de entender que se trata de uma síndrome respiratória que, como as outras, haverá o aumento do número de casos, mas logo deve ser contida pelas medidas de prevenção.

OP – O primeiro caso confirmado no Brasil está sendo tratado em isolamento domiciliar. Qual a razão para manter pacientes do coronavírus em casa?

Frutuoso – Se todas as pessoas que apresentarem algum sintoma se dirigirem aos hospitais, o que teremos é uma rede de saúde superlotada e riscos maiores de exposição ao vírus, facilitando a transmissão e o contágio. O protocolo que está se utilizando é que os casos suspeitos e os quadros clínicos leves e moderados devem ser acompanhados em casa e atendidos na atenção primária. Somente os casos mais agravados, que representam apenas 15% do total, devem estar nos hospitais. Então, o isolamento doméstico é uma decisão fundamentada, bastante racional e que cria segurança para a população.

OP – O Brasil tem sido referência ao lidar com epidemias como a zika e a dengue. Ao mesmo tempo estamos diante de surtos de sarampo. O sistema de saúde brasileiro está preparado para lidar com uma epidemia de coronavírus?

Frutuoso – O SUS tem uma larga experiência na problemática das epidemias. O fato de ser um sistema universal em todo o Brasil e com acesso livre dá ao País a condição de se preparar para esses eventos. A gente sabe que o momento exige muito cuidado de todos, mas é bom lembrar que nos preparamos na epidemia de Sars em 2003, tivemos uma atuação bastante forte contra o H1N1 em 2009 e enfrentamos a zika em 2015. Todos esses passos que foram dados são guardados na memória do SUS e vão capacitando as pessoas para enfrentar os problemas públicos a partir dessas experiências e do acúmulo de conhecimento. Do ponto de vista da vigilância, o Brasil se encontra bastante fortalecido, competente e com profissionais capacitados.

Já na parte da assistência temos que admitir que teremos situações diferenciadas. O Brasil é continental e as regiões têm características econômicas, culturais, educacionais diferentes. Assim, a assistência não será uniforme; teremos regiões ou estados que demandarão aportes maiores do Ministério da Saúde, assessoramento mais direto e aproximações diferenciadas.

OP – Pelo menos 50 países registram casos de coronavírus e cerca de 3 mil pessoas já morreram em decorrência da doença. Existem motivos para entrar em estado de alerta?

Frutuoso – Não há motivos para pânico, mas sim para uma preocupação responsável. Não estamos diante de um quadro devastador como pode parecer ou como se está espalhando pelo mundo afora, principalmente pelas redes sociais. A comparação com outras epidemias é ilustrativa. A letalidade do novo coronavírus nesse momento, que gira em torno de 3,4%, se compara com a da dengue hemorrágica, que é de 2,5%, ou a do sarampo, de 2,2%.

Outras situações respiratórias recentes tiveram índices muito maiores: Síndrome respiratória aguda grave (Sars) chegou a 9,5% e a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers), a 34%. Os principais riscos são para a população idosa. A letalidade para o grupo entre 60 e 69 anos está em 3,6%, na faixa de 70 a 79 anos é de 8% e acima dos 80 anos é de 14,2%. Pessoas com quadros pré-existentes (como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e doenças respiratórias crônicas) também preocupam. Essa é a população que demanda maiores cuidados.

OP – O que ainda não se sabe sobre o Covid-19?

Frutuoso – Há muita coisa ainda a ser estudada. A gente sabe pouco sobre esse novo coronavírus, mas sabe o essencial. Sabemos que a velocidade de disseminação é maior que a do H1N1, mas que sua letalidade é muito mais baixa; sabemos quais são seus sintomas; estamos entendendo o seu ciclo; sabemos como prevenir; desenvolvemos testes mais rápidos e temos anúncio de estudos para vacinas e medicamentos. Entretanto, não se sabe como ele vai se comportar no hemisfério sul, como será diante de temperaturas elevadas ou como agirá em novos ambientes. Tudo isso está sendo estudado desde que o Covid-19 aflorou e muita coisa só vai ser possível saber com o aprofundamento dos estudos e com o passar dos dias.

Prevenção

Para Frutuoso, “a medida mais eficaz que se pode utilizar nesse momento é praticar a etiqueta de higiene pessoal e assim evitar a contaminação pelo coronavírus”. Entre os principais cuidados está: lavar frequentemente as mãos com água e sabão; evitar contato próximo com pessoas doentes; evitar passar as mãos nos olhos, boca e nariz; cobrir nariz e boca ao tossir ou espirrar; usar lenços descartáveis se necessário; não compartilhar objetos de uso pessoal (como talher, copo, garrafa); e manter os ambientes bem ventilados.

Atendimento

O Ministério da Saúde determina que, mediante avaliação, casos suspeitos leves podem não necessitar de hospitalização, mas sim serem acompanhados pela Atenção Primária e, por medidas de precaução, o paciente ser orientado a ficar em casa. Já pacientes com casos graves devem ser encaminhados aos hospitais de referência. No Ceará, a unidade de referência para o Covid-19 é o Hospital São José.

Desde 1960

Os coronavírus são uma grande família viral conhecida desde a década de 1960. Suas variações causam infecções respiratórias em seres humanos e em animais. Geralmente, são desencadeadas doenças respiratórias semelhantes a um resfriado comum. Vírus dessa família foram os responsáveis pelas epidemias de Sars, em 2003, e de Mers, em 2012.

Por Marcela Tosi, jornal O Povo