Propostas do CONASS aos candidatos à Presidência da República

Apresentação

O Brasil vive uma quadra em que a segurança social está ameaçada. A fragilidade política e econômica mergulhou o país em uma rota não sabida que desperta, em cada cidadão, a preocupação com o futuro e, nas famílias, a angústia do desemprego, o medo da violência e da desassistência. O Sistema Único de Saúde (SUS), entidade nacional das mais respeitadas, nos seus 30 anos, sente-se ameaçado.

O SUS é produto de ideias de sanitaristas, acadêmicos, gestores, estudantes, trabalhadores, forjadas nos movimentos de resistência à rotura democrática de 1964, acolhidas pelo Congresso Nacional durante a Constituinte e cravado nas letras da Constituição de 1988 (CF/1988). Por isso, seus princípios coincidem com as bandeiras levantadas pelo movimento de redemocratização do país e sua implantação reflete fortemente o processo de descentralização política que teve como consequências a abertura de espaços de participação da sociedade organizada em Conselhos e Conferências.

Nos seus 30 anos, o SUS tem sido capaz de estruturar e consolidar um sistema público de saúde de enorme relevância e apresentar resultados inquestionáveis para a população brasileira, fazendo a segurança sanitária da população de maneira universal e integral. No entanto, problemas cruciais retardam sua evolução e ameaçam sua existência.

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass, Lei n. 8.080/1990 e Lei n. 12.466/2011, art. 14A e 14B) tem sido ator importante na formulação, na implantação e na consolidação do SUS, contribuindo efetivamente para o fortalecimento da gestão do sistema, com atuação destacada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), Conselho Nacional de Saúde (CNS) e demais espaços onde a discussão se faça.

O momento político exige dos candidatos o compromisso com o que é mais caro ao povo brasileiro: estabilidade democrática, políticas sociais inclusivas, retomada do crescimento econômico, fortalecimento das políticas educacionais, de segurança, de saneamento básico e, sobretudo, de saúde, por ser garantidora da qualidade e manutenção da vida da totalidade do povo brasileiro. A sustentação do SUS, para além do discurso, deve ser um compromisso de qualquer governante que entenda ser dever evitar o sofrimento e as ameaças à vida humana como compromisso constitucional. Afinal, saúde é direito de todos e dever do Estado (art. 196 da CF/1988).

Desse modo, o Conass, vem, respeitosamente, apresentar aos candidatos a governador e a presidente, a agenda de propostas estruturantes para a área da saúde, que visa garantir o fortalecimento e a sustentabilidade do SUS e da saúde de qualidade para a população brasileira.

 

Leonardo Moura Vilela

Presidente do CONASS

 

 

1. Compromisso com as Diretrizes Constitucionais do SUS – Universalidade e Integralidade

As bases constitucionais do Sistema Único de Saúde (SUS) – universal, integral e gratuito – estão assentadas em princípios de justiça e de inclusão social, e a população assim o reconhece. Pesquisa realizada demonstra que ‘88% dos brasileiros querem que o SUS seja mantido’. Isso demonstra a necessidade de sua afirmação como política de Estado pelos governantes e não sua subscrição como sistema segmentado, submetido ao sistema suplementar. A concepção do sistema expressa na Constituição Federal e o perfil socioeconômico do povo brasileiro, em que 75% da população é de usuários exclusivos do SUS, exigem esse compromisso.

 

2. Novo Pacto Federativo e Reforma Tributária

O modelo de federalismo brasileiro interdita a discussão e os esforços para o aprimoramento da governança exigida, ao tempo em que é determinante de crise. O padrão de oferta do atendimento social em um país desigual e de dimensão continental como o Brasil exige colaboração consequente entre os entes federados. O ordenamento institucional deve ser ajustado e os recursos federais repartidos de forma justa entre as esferas para propiciar a execução das políticas descentralizadas. No Brasil, essa distribuição é fator gerador de iniquidade. É preciso estabelecer equilíbrio entre as responsabilidades assumidas pelos entes federados e o repasse da arrecadação.

 

3. Fortalecimento da Gestão do SUS

O Brasil vive momento de desafios para a gestão do SUS. O momento atual nos impõe desafios para superar a crise política, fiscal e econômica. Diante desse quadro, é preciso aproveitar a oportunidade para melhorar a gestão e aumentar a eficiência do SUS, por meio de mudanças nos modelos de atenção à saúde, de gestão e de financiamento. É necessário ofertar e dar acesso à população a serviços organizados em redes de atenção à saúde, nas macrorregiões, onde se garante a integralidade da atenção. Para melhorar a gestão, é preciso reduzir a burocracia normativa federal, dando mais autonomia para estados e municípios; promover efetiva regionalização; aprimorar a administração pública; e promover parcerias entre a sociedade e o poder público.

 

4. Modelo de Atenção à Saúde

Considerando as profundas mudanças do perfil epidemiológico e da transição demográfica da população brasileira nos últimos anos, é urgente implantar no SUS um modelo de atenção adequado, com base nas necessidades da população e não na oferta de serviços, tendo a Atenção Primária como coordenadora do cuidado e ordenadora da Rede de Atenção à Saúde. As principais intervenções desse modelo de atenção à saúde devem levar em consideração os determinantes sociais da saúde e desenvolver ações intersetoriais de enfrentamento de agravos; fortalecer ações de promoção da saúde, mudança de estilo de vida, autocuidado apoiado; as intervenções preventivas estritas como vacinações, cuidado contínuo e monitoramento da atenção na população de risco. É preciso definir uma Política Nacional que amplie o acesso e reduza o tempo de espera ao atendimento especializado ambulatorial e hospitalar, para fazer frente a necessidades relacionadas a consultas, exames e cirurgias eletivas.

 

5. Modelo de Financiamento do SUS

O subfinanciamento do SUS é crônico e tende a perdurar em função da crise fiscal estabelecida e o advento da Emenda Constitucional (EC) n. 95 de 2016, que instituiu o Novo Regime Fiscal e impossibilita o aumento do seu financiamento, ao congelar por 20 anos recursos financeiros federais destinados ao sistema. Para dar suporte a um sistema público universal de qualidade, é preciso garantir financiamento regular e suficiente. É necessário, portanto, revogar a EC n. 95/2016. É preciso, também, definir novas formas de remuneração de serviços no SUS que contemplem custos efetivos e desempenho e estabelecer o critério de rateio dos recursos federais para custeio e investimento, conforme a Lei Complementar n. 141/2012, com transferência fundo a fundo a estados e municípios, a serem utilizados conforme os respectivos planos de saúde.

 

6. Governança Regional

Visando aprimorar a gestão e aumentar a eficiência, é necessário organizar as redes de atenção à saúde nas macrorregiões, de forma a garantir a integralidade. Para promover a governança das redes de atenção à saúde, é preciso que haja o equilíbrio das relações intergovernamentais das três esferas de poder autônomas e de outros atores como a sociedade e as organizações envolvidas nos processos decisórios no território macrorregional. Essa governança deve ser diferenciada, própria de ambientes colaborativos, com mecanismos de coordenação e monitoramento das atividades, buscando ganhos de escala, redução de riscos e dos custos envolvidos.

 

7. Judicialização da Saúde

Para além dos debates que levem em conta o conflito entre direitos individuais e coletivos, a judicialização desorganiza a atividade administrativa, obriga a alocação de recursos (humanos, logísticos, financeiros) de forma não planejada, estabelece um paralelismo entre quem acessa o SUS por suas portas de entrada e quem abrevia o caminho, pela decisão judicial. Por isso é necessário atuar junto ao Poder Legislativo para regulamentar que o financiamento público para a saúde destinar-se-á exclusivamente aos itens incorporados pelo SUS; atuar junto ao Poder Legislativo e o Judiciário para minimizar a criminalização da gestão do sistema de saúde e de seus gestores; estimular os diálogos institucionais entre o sistema de saúde e o de justiça que garantam o direito do cidadão e preservem a sustentabilidade do sistema.

 

8. Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde

O artigo 200 da Constituição Federal define que o SUS deve ordenar a formação de recursos humanos na área da saúde, visando preparar profissionais com o perfil voltado às suas necessidades. Entretanto, os gestores enfrentam dificuldades para o adequado provimento e a fixação de profissionais, especialmente médicos em áreas mais carentes. Portanto, é preciso garantir a implementação do Programa Mais Médicos em todos os seus eixos e fortalecer a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde e o pleno funcionamento das Escolas de Saúde Pública e das Escolas Técnicas dos SUS.

 

9. Complexo Industrial e Inovação em Saúde

Incrementar a capacidade de produção e de inovação do Complexo Industrial da Saúde, para a realização das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, produção, compra e venda de insumos de saúde, de serviços, assim como de novos conhecimentos e tecnologias. Melhorar as condições de produção dos laboratórios oficiais, de modo a atender a demanda por medicamentos e imunobiológicos estratégicos, sobretudo para doenças negligenciadas. Portanto, se faz necessário tanto a definição estratégica de que medicamentos e imunobiológicos produzir, quanto o financiamento necessário para expansão e adequação das plantas de produção dos laboratórios oficiais.

10. Participação da Sociedade

Os Conselhos de Saúde atuam na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde e são importantes para o fortalecimento do SUS. As Conferências de Saúde, convocadas pelo Poder Executivo, composta com representação de vários segmentos sociais, avaliam a situação de saúde e propõem diretrizes para a formulação de políticas de saúde. Portanto, é importante fortalecer a participação da sociedade na governança do Sistema Único de Saúde por meio dos Conselhos de Saúde e aprimorar os mecanismos de avaliação de satisfação dos usuários.