CONASS e Conselho Nacional de Justiça debatem a questão das ações judiciais na saúde

captura-de-tela-2016-09-26-as-15-02-56Na semana em que o STF decide se Estado deve fornecer remédios de alto custo, a expectativa dos gestores de saúde é alta. Em abril, CONASS e CNJ debateram o tema. Confira na matéria abaixo.

Em face das crescentes demandas judiciais e dos seus impactos significativos no Sistema Único de Saúde (SUS) e a fim de aproximar o Poder Judiciário do Poder Executivo, o CONASS reuniu, no último dia 27/4, gestores estaduais de saúde e representantes do Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

No encontro, os secretários estaduais de saúde expuseram os principais problemas que enfrentam nos estados em relação à judicialização, como a falta de orçamento para cumprir as decisões, as ordens de prisão, bloqueio de contas pessoais de secretários etc., e debateram ideias e possíveis soluções conjuntas para minimizá-los.

O conselheiro Arnaldo Hossepian Salles Lima Jr. (Ministério Público de São Paulo), representante do Fórum Nacional da Saúde no CNJ, enfatizou que o objetivo do conselho é criar uma interlocução entre os dois Poderes, de forma a atender da melhor maneira possível as demandas da população sem ultrapassar os limites orçamentários do setor público. “Muitas vezes, o contribuinte tem no Judiciário o último refúgio de esperança quando precisa de pronta intervenção do SUS. Nossa finalidade é atendê-lo, mas precisamos considerar também os impactos financeiros no sistema”, disse.

Já o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) Renato Dresch observou que a Constituição Federal de 1988 assegura à população o acesso universal e igualitário à saúde, bem como o atendimento integral, e advertiu que é preciso discutir seriamente o impacto social do item II do seu artigo 198 que dispõe sobre a integralidade dos serviços. “O juiz não tem capacidade de dizer se determinado atendimento é ou não integral. Esse é o impacto social e cabe ao Estado dizer o que é integral. O magistrado não entende de medicina. Se o médico afirmar que há risco de morte, na dúvida, ele irá atender a demanda sem ter consciência de que, com essa decisão, pode estar prejudicando outro paciente”.

Para ele é necessário criar interlocução entre os gestores de saúde e os membros do Judiciário, por meio da criação de Núcleos de Apoios Técnicos (NATs) nos estados, com a disponibilização de notas técnicas que disponibilizem informações etc. “Os secretários precisam informar aos juízes quando houver incapacidade de cumprir determinada decisão e demonstrar quais são as dificuldades que existem na gestão, porque nós não temos essas informações facilmente disponíveis”, salientou Dresch.

Na visão do juiz do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba Marcos Salles, cada magistrado tem uma visão microindividual do processo e assim como qualquer profissional de saúde não quer ter em sua consciência a culpa por um óbito. Sendo assim, esclareceu que o Poder Judiciário tem feito grande esforço para focar sua atuação em uma macrovisão do SUS. “Conhecemos pouco as dificuldades de quem administra esse sistema, que é um dos maiores do mundo, e estamos nos empenhando em entendê-lo melhor a partir de uma visão dialogada entre os profissionais envolvidos em todo o processo. Nós devemos atuar em colaboração, até mesmo nesses momentos mais radicalizados”.

O promotor de Justiça de São Paulo Arthur Pinto Filho alertou que a questão da judicialização, quer seja de medicamentos, quer seja de algum atendimento de urgência, não irá diminuir, pois grande parte da população e dos advogados percebeu que essa é uma boa área de atuação, inclusive do ponto de vista comercial. “Isso não é culpa do Judiciário. Os juízes têm pouca ideia do que é o SUS e acreditam que ele é muito pior do que realmente é. Portanto, a tendência é que ele atenda positivamente às demandas que chegam até ele, já que pelo SUS não há possibilidade de resolver o problema”.

Para que a judicialização não inviabilize o sistema, o promotor disse que a ideia do CNJ é contar com o assessoramento de especialistas aos juízes, seja em cada estado ou em polo único, para que eles tenham informações mais precisas em relação aos pedidos de medicamentos ou atendimentos. “Me parece que essa é uma forma de diminuir o gasto da judicialização e dar credibilidade e racionalidade ao sistema que, diante desse patamar de ações, pode ser inviabilizado”, observou. 

O defensor público do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios Ramiro Nóbrega Sant’Ana, chamou a atenção para a dificuldade de um defensor público que atua de forma generalista em conhecer os detalhes da política pública de saúde, que é, em sua opinião, baseada em portarias do Ministério da Saúde. “Entender uma Política Pública a partir de portarias e compreendê-las é o principal, mas essa é uma linguagem que nós não aprendemos na faculdade”.

Segundo ele, é preciso respeitar a gestão, a forma como ela é feita e as normas que estruturam o SUS, o que pode ser feito na realidade com uma atuação forte extrajudicial. “Nós temos uma atuação forte, judicial. Precisamos ter uma atuação forte, extrajudicial. Isso se dá de forma informal e de forma formal. Informalmente, isso resolve muitos dos problemas”, disse. Citou o exemplo pioneiro de Brasília, com a Câmara de Mediação em Saúde que atua no sentido de evitar ações judiciais e/ou propor soluções para aquelas em trâmite. Nela a Defensoria Pública do Distrito Federal trabalha como mediadora entre as partes envolvidas no conflito, ou seja, o cidadão e a Secretaria de Estado. “Vamos mediar extrajudicialmente sem sequer incomodar o Judiciário ou, em algumas situações, já com o Judiciário como partícipe. Penso que essa é uma diretriz que já foi abraçada pelo CNJ e será levada à frente, mas sem o apoio da Secretaria de Saúde não vamos conseguir avançar nesse sentido”.

Para o presidente do CONASS, secretário de Estado da Saúde do Rio Grande do Sul João Gabbardo dos Reis, o debate atendeu às expectativas dos secretários estaduais de saúde, uma vez que o diálogo e a possibilidade de negociação são as únicas saídas para os gestores.

Segundo Gabbardo, o principal desafio é conseguir distinguir uma ação judicial justa, em que o Estado deveria efetivamente fornecer determinado medicamento ou determinado procedimento e não o fez por alguma razão, daquela ação considerada como uma solicitação fora da normalidade, a exemplo dos medicamentos que não estão autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), procedimentos no exterior que poderiam ser feitos no país, solicitação de medicamentos etc. “Vamos aproveitar muito essa oportunidade de aprofundar esse diálogo com os membros do Judiciário, pois ele é fundamental. Com certeza, a questão da judicialização é um dos maiores problemas que enfrentamos em todas as secretarias e nossos temas prioritários sempre são liderados por essa questão das demandas judiciais”, concluiu.

Opinião dos secretários 

O secretário estadual de Saúde de São Paulo, David Uip, declarou que a proximidade com o Conselho Nacional de Justiça é uma alternativa para tratar do problema da judicialização. Segundo ele, o estado de São Paulo já tem trabalhado nesse sentido. Uip explicou que recentemente foi firmado um convênio com a Universidade de São Paulo (USP). Na parceria a instituição emitirá pareceres sobre a eficácia de remédios que a Justiça obrigar o Estado a fornecer, em conformidade com as atuais políticas públicas de saúde e de assistência farmacêutica. “Firmaremos outros convênios com universidades no interior do estado para termos retaguarda daquilo que, à princípio, não temos evidências científicas necessárias. É fundamental termos um fórum técnico de discussão para buscar alternativas que solucionem essas questões”, afirmou.

Já a secretária de Estado da Saúde do Amapá, Renilda Costa, falou sobre a implantação do NAT no âmbito da SES/AP. “Nós tínhamos apenas uma ouvidoria e juntamos a ela esse núcleo técnico que vai atuar como porta de entrada para a solução das demandas de saúde, na busca de evitar a geração de processos judiciais”. De acordo com a secretária já houve a diminuição em 70% do número de novas ações. Só tenho a parabenizar essa ação do CNJ”, disse. 

O vice-presidente do CONASS na Região Centro-Oeste, secretário de Estado da Saúde do Goiás, Leonardo Vilela, disse ter obtido avanços importantes na aproximação com o Ministério Público e com a Defensoria Pública, mas admitiu ter dificuldade na aproximação com o Poder Judiciário. “Estamos tendo dificuldade com os juízes e desembargadores, com a utilização do instrumento do Mandando de Segurança como uma decisão judicial”, alertou.

Vilela ressaltou ser fundamental estabelecer o diálogo com os poderes constituídos a fim de se ter maior racionalidade e eficiência no cumprimento das decisões judiciais e pediu aos membros do judiciário que visitem o estado do Goiás e conversem com o Tribunal de Justiça do Estado, com a Procuradoria Geral na tentativa de ampliar o diálogo com a SES/GO. “Nós queremos ampliar esse diálogo, queremos cumprir as decisões judiciais, mas é complicado. Nós queremos ter a oportunidade de colocar a nossa defesa, de mostrar os transtornos que isso traz para o paciente, para o Sistema Único de Saúde, para o orçamento da Secretaria e para o coletivo como um todo. Peço que o CNJ transmita esse conhecimento para todos os estados para que esses equívocos não prejudiquem o SUS”, finalizou o vice-presidente.

Ricardo Oliveira, secretário de Estado da Saúde do Espírito Santo, sugeriu que seja estabelecido um conjunto de secretários que atuem junto ao Comitê do CNJ para discutir as questões relativas à judicialização da saúde. “Isso aumenta a iniquidade do sistema. Devemos ter uma proposição concreta e criarmos um grupo de secretários que em interlocução com esse grupo do CNJ, formule mudanças legais que permitam que os juízes não tenham mais que decidir com base nessa legislação posta, gastando um recurso enorme para administrar uma consequência quando, na verdade, temos que resolver a causa”.

De acordo com o secretário de Estado da Saúde do Pará, Vítor Manoel de Jesus, houve diminuição significativa de demandas judiciais após a instalação do Comitê Interinstitucional de Resolução Administrativa de Demandas da Saúde (Cirads), que conta com a participação de dez órgãos, incluindo o Tribunal de Justiça do estado. Ele explicou que o comitê conta também com o referencial de grupos de médicos e de outros profissionais que dão subsídios para casos não constem nas notas técnicas.

O secretário disse ainda ser fundamental inserir no debate outros atores do sistema de saúde, a fim de alargar o entendimento sobre o problema. “Os municípios, os prestadores filantrópicos e privados que prestam serviço ao SUS e as representações das entidades de classe têm de ser ouvidos. É fundamental ter melhor entendimento entre aquilo que está disposto em dispositivos legais, com a efetiva prática do exercício das atividades e ações que dispomos para atender a população”, concluiu.

Para Fausto Pereira dos Santos, então secretário de Estado da Saúde de Minas Gerais, a principal questão em relação à judicialização é capacidade de interação com o conjunto das instituições que estão envolvidas no processo. “Não existe mágica para resolver esse problema. É só definitivamente a questão do diálogo, das diversas experiências exitosas que podem ser estendidas para o país e adequadas às realidades das regiões. Esse é o caminho a meu ver”. Segundo ele é fundamental aumentar a capacidade de interação para a obtenção de melhores resultados, como por exemplo, a parceria com as universidades e outras instâncias que possam melhorar o processo da base técnica da decisão.

Na opinião do secretário de Estado da Saúde de Roraima, Williames Pimental, os secretários estaduais de saúde devem aproveitar o momento da reconstrução do país em seus aspectos moral e político para entender que tipo de Sistema Único de Saúde SUS se pretende ter. “Temos que ir para o enfrentamento e usar esse colegiado como instrumento político de transformação. Se não vai haver mais aporte de recurso para se ter essa eficiência então nós temos que repensar na medida do possível o que o Brasil pode oferecer para um Sistema de Saúde”.

Humberto Fonseca, secretário estadual de Saúde do Distrito Federal, afirmou que há uma tendência no Judiciário e nos órgãos de controle pela responsabilização criminal do secretário de saúde. “No Distrito Federal nós temos percebido isso em relação não só contra os secretários, mas também contra os diretores de hospital, os superintendentes, os gerentes etc. Todos estão recebendo notificações pessoais em relação às suas ações, isso independentemente de haver demonstração de dolo ou de má fé o que gera um grau de instabilidade tão grande que o gestor tem medo de tomar ações legítimas de gestão que são boas para a população, com receio de ter responsabilização pessoal. Essa tendência é extremamente cruel, porque não só é injusta com a pessoa do gestor, como engessa a gestão”, alertou. 

CNJ se reúne com Ministro da Saúde

*Informações da Agência CNJ de notícias e Ministério da Saúde

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, recebeu, no dia 3 de junho, Membros do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para discutir parceria entre os órgãos na implantação em todo o Brasil dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATs).

NATs são núcleos formados por especialistas e têm como objetivo subsidiar os magistrados na tomada de decisões nas questões relacionadas ao direito à saúde. Atualmente, existem cerca de 78 NATs distribuídos em 19 dos 27 tribunais.

Barros assegurou apoio à iniciativa e disse ser fundamental diminuir o excesso de burocracia, a fim de dar mais agilidade aos processos, e exaltou a possibilidade de essas demandas serem avaliadas por juízes com o auxílio de pareceres técnicos.