A Planificação e o desafio de implementar a Saúde Mental na Atenção Primária à Saúde

Reflexo do isolamento social da pandemia, a saúde mental nunca esteve tão em pauta como agora. Aumento de casos de depressão e ansiedade foram percebidos em todo o mundo e no Brasil não poderia ser diferente. Como lidar com essas sequelas em uma população ainda fragilizada e em um sistema de saúde que ainda tenta se recompor diante dos efeitos negativos que a pandemia trouxe?

Em Coelho Neto, município da Região de Caxias no Maranhão, a resposta está em uma importante iniciativa do Hospital Israelita Albert Einstein que busca aperfeiçoar o atendimento em saúde mental a partir da Atenção Primária à Saúde. Desenvolvida como complemento das ações do projeto do Conass de Planificação da Atenção à Saúde (PAS), o projeto já traz melhoras significativas nos indicadores locais.

Por lá, as taxas de suicídio e de violência autoprovocadas já foram reduzidas em todos os sete municípios que compõem a região. Celebrar estes números, especialmente no mês de setembro, dedicado aos cuidados em saúde mental, é uma grande vitória. É o que disse o prefeito de Coelho Neto, Bruno Silva, durante o encerramento do ciclo de implementação do projeto, realizado esta semana. “Este é um dia histórico, principalmente para aqueles que fazem a gestão”, disse.

Sobre o projeto desenvolvido pelo hospital Albert Einstein, Silva afirmou que é  necessário reconhecer que as parcerias público privadas têm rendido frutos positivos à saúde pública no País.

O prefeito enfatizou que a pandemia agravou mais ainda as questões de saúde mental e que aprimorar o seu atendimento é um desafio diário. “Saúde é feita diariamente e quanto mais se oferta, mais se é cobrado. Fazer saúde é ter o compromisso e a sensibilidade de que precisamos ofertar o nosso melhor. É isso que estamos fazendo aqui”, destacou.

Já a secretária municipal de saúde, Josely Almeida, ressaltou que o modelo assistencial adotado ao longo do tempo atribuiu que todo o paciente de saúde mental precisa ser tratado na rede especializada, o que faz com que o público deixe de procurar atenção primária para fazer o seu tratamento.

Segundo ela, a planificação veio para organizar esse atendimento e mostrar que esse usuário pode ser atendido na sua área e ser sempre o protagonista do seu atendimento. “O nível primário é fundamental no planejamento de ações em saúde mental, eficazes e organizadas e que estejam de acordo com os princípios do SUS e reformando os preceitos da reforma psiquiátrica”, enfatizou.

Enfermeiro psiquiátrico e coordenador do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) de Coelho Neto, Emerson Ramos citou a resistência dos pacientes que entendiam que todos os problemas relativos à saúde mental ou dependência química teriam que ser tratados dentro do Caps. “Com a planificação nossa equipe foi treinada para acolher estes usuários criando vínculos com eles que hoje estão sendo atendidos dentro das Unidades Básicas de Saúde”, disse

A alta taxa de aceitação, fez com que o atendimento deste público, uma média de  média de cinco mil pacientes com transtorno mental  e/ou dependência química, fosse bastante reduzido na rede especializada, conforme explicou Emerson. “Temos uma. A APS agora está fazendo seu papel  e consegue atender diariamente grande parte desses pacientes por meio dos agentes comunitários de saúde, das equipes de Estratégia em Saúde da Família e das equipes e-multi. O ponto positivo é que hoje conseguimos dar um atendimento melhor e acompanhar de perto esses pacientes”, comemorou.

Evento celebrou o encerramento do ciclo de implementação da Linha de Cuidado em Saúde Mental

Flávia Queiroz, que coordena o projeto na planificação, chamou a atenção para a importância de que todas as consultas considerem o aspecto da saúde mental, pois os pacientes precisam de uma abordagem que considere toda a integralidade do cuidado.

Ela destacou que a pandemia aumentou os cacos de transtornos mentais e afirmou que o projeto trouxe visibilidade a uma população que era imperceptível  aos olhos dos profissionais locais. “Os desafios foram e ainda são muito grandes, mas o resultado já é positivo para o usuário que é atendido no seu território”.

Os pacientes leves e moderados são atendidos dentro da atenção primária enquanto aqueles com casos graves são encaminhados às redes de apoio da região. “Nós identificamos esses usuários, fazemos o mapeamento, após isso fazemos o escalonamento e compartilhamento do cuidado”, explicou.

Ao encontro do que disse Flávia Queiroz, o representante do Hospital Albert Einstein, Márcio Paresque, afirmou que a pandemia escancarou as questões e estigmas que envolvem a saúde mental que já existiam, mas ficavam escondidas. “Tomamos a decisão de implementar esse projeto mesclando a metodologia da planificação com o manual de intervenção Mental Health Gap proposto pela Organização Mundial da Saúde como uma ferramenta para trabalhar e discutir a saúde mental no âmbito da atenção primária”, disse.

Saúde Mental em Caxias

 

No município de Caxias, onde o projeto de implementação da Linha de Cuidado em Saúde Mental também está em andamento, os representantes do hospital Albert Einstein, da Beneficência Portuguesa (BP) e do Ministério da Saúde, reuniram-se com a secretária municipal de Saúde, Mônica Cristina Melo, com o prefeito da cidade, Fábio José Gentil Pereira Rosa, com os coordenadores de Atenção Primária da Saúde, de Atenção Especializada, com a referência técnica da saúde mental e com gestores da Secretaria Municipal de Saúde e conheceram as ações que estão sendo desenvolvidas no âmbito da saúde mental no município.

Time da Planificação conhece as ações desenvolvidas em Caxias

O destaque foi para as estratégias que a SMS já utilizava antes da planificação e que foram reorganizadas após a implementação da linha de cuidado. “Esta iniciativa proporcionou estratégias potentes e um serviço estruturado e organizado”, disse a secretária.

Assim como em Coelho Neto, a equipe realizou uma visita à Unidade de Saúde Trizidela, onde observaram o desenvolvimento de um trabalho de excelência, com respostas eficazes às necessidades de saúde da população.

O grupo também visitou o Centro de Atenção Materno Infantil que é referência para gestantes e crianças de alto risco dos municípios que compõem a região de Caxias.

Ministério da Saúde conhece a iniciativa

A representante do Departamento de Saúde Mental, Márcia Oliveira, destacou que a saúde mental é complexa que necessita sempre da pesquisa, ensino e assistência. “Só retroalimento a assistência quando pesquiso. A educação permanente é a mais importante em todas as áreas, mas na saúde mental em que os modelos assistenciais são conflitantes, ela é mais necessária ainda.

Márcia fez uma retrospectiva sobre a evolução da área no Brasil, disse que ela teve grandes avanços como a implementação dos Caps e da Rede de Atenção Psicossocial, mas alertou para aquilo que chamou de “esquecimento” da APS. “Por isso é importante uma iniciativa como essa que estou vendo aqui hoje. A saúde mental na atenção primária no Brasil precisa ser acelerada”, disse parabenizando os envolvidos na execução do projeto.

Planificação da Atenção à Saúde

A planificação da Atenção à Saúde é desenvolvida na Região de Caxias por meio de uma parceria entre o Conass e a Beneficência Portuguesa (BP). A escolha do território para implementação das ações de Saúde Mental, se deu por conta dos indicadores locais, mas sobretudo devido à organização avançada dos serviços, como explica a representante da BP, Alzira Guimarães.

Segundo ela, implementar uma Linha de Cuidado em Saúde Mental é uma iniciativa muito importante, já que o objetivo da Planificação é qualificar a APS para que ela de fato cumpra os seus papéis de coordenadora da Rede de Atenção à Saúde e de responsabilização sanitária e econômica da população, o que só será possível com o fortalecimento da atenção primária. “Só assim conseguiremos avançar na organização de uma rede de atenção à saúde. Sabemos a complexidade de se trabalhar com saúde mental e para nós que estamos acompanhando esse projeto desde o ano passado, é gratificante ver os avanços nesta Região”, comemorou.

Charlene de Paula é enfermeira e referência técnica da PAS no município de Coelho Neto. Para ela o processo de planificação, iniciado em 2016 com a linha de cuidado materno infantil, capacitou os profissionais e os ajudou trabalharem de forma organizada refletindo diretamente em um melhor resultado para a população com a diminuição de filas,  de inconsistências nos cadastro e de melhores indicadores no Previne Brasil e com a estratificação de risco de crianças e gestantes.

O orgulho pelo trabalho realizado se traduz em seu sorriso quando questionada sobre o que a planificação significa para ela. “Sou apaixonada por esse processo. Não sei trabalhar de outra forma. A planificação mudou a minha vida, tanto como pessoa como porque eu cresci muito e como profissional”.

Profissionais da planificação conhecem as melhorias implementadas na Unidade de Atenção Primária à Saúde Daniel Guanabara

Assim como ela, as enfermeiras e tutoras da Planificação em Saúde Mental, Natássia de Oliveira e Francineide Sousa falam, com empolgação, sobre como o projeto mudou a realidade dos seus processos de trabalho. “Nós não tínhamos a real situação do território e não conhecíamos esses pacientes. A partir desse processo, nós conseguimos mapear e ver, por meio do cadastro domiciliar, quem são essas pessoas. Os benefícios são visíveis”, afirmou Natássia. Ela também chamou a atenção para o aumento no número de pacientes atendidos que em 2022 era 54, passando para 354 em 2023.

Já Francineide destacou o estigma que existe em relação à saúde mental e observou que os profissionais não sabiam lidar com este público. “Muitos desses pacientes não se sentiam confortáveis para tratar dessas questões e a planificação na APS foi muito agregadora, pois ela é a porta de entrada dos usuários”, disse.

Ela mencionou que por não haver uma demanda conhecida dessas pessoas, os profissionais trabalhavam de uma forma em que não ofertavam o cuidado necessário. “Com isso, veio também a questão da sensibilidade profissional. Hoje eu consigo visualizar que além de termos conseguido mapear e visualizar esse paciente dentro do território, nós, profissionais, temos uma sensibilidade maior no acolhimento desse público”.

Visita à Unidade de Atenção Primária à Saúde Daniel Guanabara

Como encerramento das atividades foi feita uma visita à Unidade de Atenção Primária à Saúde Daniel Guanabara. Lá, foram apresentados os frutos da reformulação e reorganização dos processos de trabalho dos profissionais de saúde e como eles impactam no atendimento à população de Coelho Neto.

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