Cerveja também é álcool

Alteração da Lei Federal 9.294, de 1996, que dispõe sobre a propaganda de bebidas alcoólicas no País,  foi debatida pelo deputado Antonio Jorge em audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A necessidade de alterar a Lei Federal 9.294, de 1996, que dispõe sobre a propaganda de bebidas alcoólicas no País,  foi debatida pelo deputado Antonio Jorge em audiência pública da Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião, realizada nesta terça-feira (17.11), também teve como objetivo discutir o impacto de comerciais de cerveja e outras bebidas alcoólicas entre as crianças e adolescentes e, ainda, oficializar a adesão da Comissão à campanha “Cerveja também é álcool”, criada pelo Ministério Público de São Paulo.

O Brasil tem uma Lei, a  9.294/1996, que regula a propaganda de bebidas alcoólicas, só permitindo a veiculação de 22 às 06 horas do dia seguinte e proibe a associação com temas ligados ao esporte, sexo ou bem estar. O absurdo é que esta lei em seu parágrafo único, artigo 1º  diz: “consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico superior a treze graus Gay Lussac”. Por causa da graduação alcoólica inferior, a lei acabou desconsiderando a cerveja e as ices. Dessa forma, essas bebidas não são afetadas pelas restrições de propaganda como as outras.

Na mesma reunião foi lançada proposta de criação de um fórum nacional anti-propaganda de bebidas alcoólicas com impacto negativo sobre crianças e adolescentes”.  Tanto a campanha quanto o fórum ganharam a adesão de várias lideranças ligadas a órgãos e entidades nacionais e regionais, como a representante do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde (Conass), Alessandra Schneider; o presidente do Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira; o presidente do Conselho dos Secretários Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems/MG), José Maurício Lima Rezende; promotores Gilmar Assis, coordenador Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (Cao-Saúde), e Jorge Tobias, coordenador de Combate e Repressão ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes do Ministério Público de Minas Gerais.

E, ainda, o vice-corregedor do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, Ricardo Hernane Lacerda Gonçalves de Oliveira; do representante do Conselho Regional de Enfermagem (Corem/MG), Marcus Garcia; a  presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas de Belo Horizonte, Soraya Romina Santos; a secretária  municipal de Políticas Sociais de Belo Horizonte, Luzia Ferreira;  Lincoln Lopes Ferreira , presidente da Associação Médica de Minas Gerais; Maurício Leão, Associação Mineira de Psiquiatria e Aloisio Andrade, presidente Conselho Estadual Antidrogas de Minas Gerais (Conead).

De acordo com Antônio Jorge, que preside a Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), preocupa o crescimento do consumo do álcool entre os adolescentes. “Existe o aumento expressivo do uso de álcool pelos jovens e isso ocorre cada vez mais cedo entre eles”, disse. Ele falou que a restrição do acesso a essas drogas e a revisão da propaganda sobre bebidas são pilares para a diminuição do consumo. O parlamentar também defendeu a mudança na Lei Federal. De acordo com ele, a preocupação não é motivada somente pela possibilidade de as propagandas de cervejas serem exibidas em qualquer horário, mas sobretudo pela questão simbólica dos comerciais que atrelam o consumo a práticas esportivas e à sexualidade, o que é proibido em relação às demais bebidas.

 

Números confirmam crescimento – De acordo com o coordenador do Centro Regional de Referência em Drogas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Frederico Duarte Garcia, estudos nacionais apontam o aumento do consumo de bebidas alcoólicas entre adolescentes de 15 a 18 anos. Ele citou que, em 2003, os números apontavam que 48,3% dos jovens pesquisados já tinham experimentado a droga; em 2005, o número passou para 54,3%; e, em 2009, para 71,4%. “Qualquer droga no cérebro de um adolescente vai fazer estrago, pois a pessoa está em formação, várias conexões estão sendo formadas”, enfatizou.

Frederico Duarte destacou que os indicadores mostram que adolescentes têm bebido quase na mesma proporção do que os adultos, o que ocorre, em sua opinião, pela permissividade das famílias. Ele também ressaltou que o consumo de álcool decorre de uma demanda forçada e não espontânea. “Para arroz e feijão não é preciso fazer tanta propaganda. As pessoas consomem e sabem que eles fazem bem”, enfatizou. Segundo o coordenador, os efeitos disso são nefastos para a saúde desses jovens.

Idealizador da campanha “Cerveja também é álcool”, o promotor de justiça da 9ª Promotoria de Justiça de São Bernardo do Campo (SP), Jairo Edward de Luca, enfatizou que restringir propaganda de bebida alcoólica é um mandamento constitucional. De acordo com ele, a Lei 9.294, de 1996, teve o objetivo de regulamentar a questão, mas, antes de ser aprovada, foi feita pressão para que bebidas como a cerveja fossem excluídas da determinação.

Jairo Edward destacou a campanha “Cerveja também é álcool”, uma iniciativa do Ministério Público de São Paulo, que pretende que a cerveja seja tratada como bebida alcoólica pela lei e esteja sujeita a restrições. Para isso, segundo ele, foi criado em 2013 um abaixo-assinado para reunir assinaturas que viabilizem a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular. O abaixo-assinado precisa reunir 1,5 milhão de assinaturas. A campanha, segundo o promotor, pretende que haja a mudança na legislação citada da expressão “superior a treze graus Gay Lussac” para “superior a 0,5 grau”.

Adesão à campanha – De acordo com o presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Lopes Ferreira, a campanha pela alteração da legislação é relevante. Cirurgião, ele salientou que, em 17 anos de trabalho no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, na Capital, pode verificar a grande influência do álcool nas ocorrências de trauma.

O presidente da Associação Mineira de Psiquiatria, Maurício Leão, enfatizou que o consumo de bebidas alcoólicas é induzido por propagandas. “A maior parte das mazelas decorrentes do álcool recai na área da psiquiatria. Então, é importante uma movimentação no sentido de inibir o uso precoce desse tipo de bebida”.

Mauro Junqueira, presidente do Conasems, manifestou o apoio à campanha dos mais de cinco mil secretários municipais que a entidade representa e adiantou que levará o tema publicidade X cerveja para discussão no congresso nacional que será realizado em junho do ano que vem no Ceará.

Segundo o presidente do Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais, José Maurício Lima Rezende, a lei em vigor não considera o que é bom para a população. “É importante evitar as propagandas em horários nobres para que o número de jovens que consomem bebidas alcoólicas se reduza”, afirmou. Ele destacou a necessidade de campanhas educativas para orientar sobre o assunto.José Maurício adiantou que vai orientar os secretários municipais a divulgarem a campanha entre os agentes comunitários de saúde para que as imformações cheguem até a população.

A secretária de Políticas Sociais de Belo Horizonte, Luzia Ferreira, disse que é gritante a constatação de que os jovens começam a fazer uso do álcool cada vez mais cedo. Para ela, a redução da publicidade do tabaco contribuiu muito para a diminuição do seu uso. Segundo a secretária, esse é um exemplo de que a restrição das propagandas de bebidas alcoólicas também pode trazer o mesmo resultado.

O promotor Gilmar Assis, coordenador da Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (Cao-Saúde), que também é o coordenador nacional do Grupo de Trabalho Proteção da Saúde da Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do Conselho Nacional do Ministério Público e é 2º Vice-presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público em Defesa da Saúde (Brasil), assegurou o apoio destas entidades à campanha e à causa e afirmou que a Lei Lei Federal 9.294, de 1996 é inconstitucional. Segundo ele, exceto esta lei, todos os outros atos normativos tratam bebida álcoolica como todas aquelas que têm graduação a partir de meio grau Gay Lussac.

O coordenador de Combate e Repressão ao Tráfico Ilícito de Entorpecentes do Ministério Público de Minas Gerais, promotor Jorge Tobias de Souza, disse que vincular bebida ao divertimento é perigoso. Ele salientou que é preciso que as famílias fiquem atentas a isso e passem outros valores a seus filhos.

Já a presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas de Belo Horizonte, Soraya Romina Santos, disse que a lei em vigor prejudica crianças e adolescentes. “Os colegiados, associações de pais, escolas devem ser envolvidas na campanha”, acrescentou. Para o presidente do Conselho Estadual de Políticas Sobre Drogas, Aloísio Andrade, é preciso dar encaminhamento à campanha. Diversos outros convidados também manifestaram apoio à campanha “Cerveja também é álcool”.

Pano de fundo – A assessora técnica do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Alessandra Schneider, destacou que o abuso do álcool traz muitas doenças, além de ser o pano de fundo de grande parte dos acidentes de trânsito e de casos da violência doméstica.

Para o vice-corregedor do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais, Ricardo Hernane Lacerda Gonçalves de Oliveira, entre a população com menos de 30 anos, a violência é o que mais causa a morte. “O consumo de drogas está muio associado a isso”, disse. Hernane salientou também que um grande dificultador é o fato de o álcool estar enraizado na cultura do País.

 

Foto: Sarah Torres