Em entrevista exclusiva ao CONASS, ministro da Saúde fala sobre financiamento, judicialização, controle social, entre outros temas

O ministro da Saúde, Marcelo Castro, concedeu uma entrevista exclusiva à edição n. 17 da Revista Consensus. Nela, falou sobre como o momento econômico que o país atravessa afeta o SUS e também sobre os desafios e as prioridades da sua gestão. Confira abaixo a opinião do ministro da Saúde a respeito de temas como financiamento, judicialização, recursos humanos do SUS, gestão tripartite, controle social, entre outros, e saiba quais são os planos do gestor para melhorar o nível de saúde da população brasileira.

 

Consensus Ministro, tendo em vista o momento econômico que o país atravessa, quais serão, em sua opinião, os maiores desafios da sua gestão à frente do Ministério da Saúde?

Marcelo Castro: Os desafios são diversos, mas, certamente, o financiamento da saúde é o principal deles. Precisamos discutir o orçamento, a modernização da máquina administrativa, fortalecer e aperfeiçoar as relações interfederativas e enfrentar a judicialização que tanto desorganiza nosso sistema de saúde. Todas essas respostas devem ser construídas de forma conjunta: governo e sociedade representada nos conselhos de saúde. É um esforço contínuo, permanente, que visa à garantia da efetividade do direito à saúde, nossa meta.

O aprimoramento do funcionamento do SUS e sua defesa são prioridades para o governo federal. Garantir atendimento qualitativo e no tempo adequado às necessidades das pessoas é meta prioritária da minha gestão. Temos de buscar quantidade e qualidade; o humanismo nas relações entre o serviço e as pessoas deve ser objeto prioritário, porque a dignidade é bem maior e princípio da nossa República. Nesse aspecto, o Programa Mais Médicos continua estratégico, porque fortalece a atenção básica essencial para o SUS, principal porta de entrada do sistema. Também estamos trabalhando para implementar oportunamente o Mais Especialidades, com o objetivo de dar efetividade à continuidade do itinerário terapêutico de acordo com as necessidades de saúde das pessoas que adentram o SUS, em tempo oportuno. É preciso avançar no aprimoramento do SUS, que ainda tem muitos gargalos a ser superados. Para fazer saúde, é preciso convidar todos os participantes – profissionais de saúde, técnicos, especialistas, servidores, usuários, gestores – para estar conosco na construção permanente dessa política pública de elevação da vida.

 

Consensus – O SUS vive um momento crítico em relação ao seu financiamento. Com a situação econômica atual, o orçamento do Ministério da Saúde, já aquém do necessário, sofreu cortes consideráveis que ameaçam ainda mais a sustentabilidade do sistema. Tendo em vista a sua experiência na articulação política dentro do Congresso Nacional, como o senhor pretende atuar na busca por mais financiamento para a Saúde?

Marcelo Castro: É preciso superar o subfinanciamento da saúde. Este é um caminho difícil em razão da crise econômica conjuntural por que passa o país, mas isso não pode ser motivo para se abandonar a melhoria do orçamento público na saúde. O subfinanciamento está agravado com a queda das Receitas Correntes Líquidas (RCL) do governo federal, que serve de base para o cálculo dos gastos da União com o setor.

O Ministério defende o debate junto com a sociedade para viabilizar novas fontes de financiamento para a saúde. Nesse momento, uma das principais propostas em andamento é a CPMF, que fortalece o financiamento da União na Saúde e, em especial, reforça os orçamentos dos municípios e estados.

Atualmente, o orçamento dos municípios é o mais comprometido. A Constituição estabelece 15% de suas receitas para ser aplicada na saúde. Na média, no entanto, esse investimento já supera os 20%. A dificuldade é seguida pelos estados e, finalmente, pela União. O que buscamos é aumentar os recursos da saúde em um trabalho de convencimento dos parlamentares e da população para que compreendam o momento pelo qual passa o país. A crise não pode prejudicar políticas de relevância social e tão necessária às pessoas, em especial em época de dificuldades. Entendo que temos esse dever e compromisso de convencer a todos para as necessidades conjunturais da saúde que precisa continuar viva, forte e atendendo sempre e melhor as pessoas. Estou comprometido com essa causa.

 

Consensus Outra questão importante a ser considerada como ameaça ao SUS diz respeito à judicialização da Saúde, que muito tem onerado o já comprometido orçamento do Ministério da Saúde, dos estados e dos municípios. Que estratégias o senhor pretende adotar para enfrentar esse problema?

Marcelo Castro: A judicialização tem sido um dos problemas que a saúde enfrenta e que causa muitas dificuldades aos seus gestores. Ela tem consumido parte significativa do orçamento do SUS. Desde 2010, houve aumento de 500% nos gastos do Ministério da Saúde com ações judiciais para aquisição de medicamentos, equipamentos, insumos, realização de cirurgias e depósitos judiciais. Não há dúvida de que essa é uma discussão necessária e que deve envolver o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público. Se há vácuo legislativo, vamos conversar com o Legislativo; se há falhas no Executivo, vamos suprimi-las; se há incompreensão no Judiciário, vamos dialogar. A questão primordial é que a judicialização desorganiza o planejamento, fere o princípio da igualdade de atendimento e compromete ainda a segurança do paciente, ao permitir compra de medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que valida a sua segurança; incorpora insumos, procedimentos que não poderão ser garantidos a todos, ferindo a competência da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) para tal atividade; permite lobbies e demais ações deletérias para a gestão pública.

Para que a população possa ter o seu direito à saúde garantido, temos assegurado o aumento da relação de medicamentos gratuitos; os gastos cresceram 81% em cinco anos, passando de R$ 6,9 bilhões, em 2010, para R$ 12,55 bilhões, em 2014. A lista de medicamentos oferecidos pelo SUS insertos na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) passou de 550 itens, em 2010, para os atuais 844. A incorporação de novas tecnologias no SUS é pactuada por regras claras quanto às formas de uso, análise fundamentada de eficácia, efetividade e custo-benefício.

 

Consensus –  Em relação à gestão tripartite do SUS, como o senhor irá atuar junto a estados e municípios?

Marcelo Castro: Existe uma necessidade de modernizar e aprimorar a administração pública para dar conta de executar seus serviços de maneira ágil e com qualidade e a de aprofundar as estruturas do SUS. A gestão da saúde nos remete à divisão de responsabilidades entre os entes federativos no tocante à execução de serviços, financiamento e avaliação, que devem ser pactuadas e firmadas. É preciso regras claras quanto às responsabilidades dos entes federativos na gestão compartilhada do SUS e isso deverá estar consignado no contrato organizativo de ação pública conforme determina o Decreto n. 7.508, de 2011. Além do mais, a gestão compartilhada – tripartite – essência do SUS ante suas interdependências em relação à complexidade de serviços – necessita que a região de saúde se fortaleça e seja capaz de ser resolutiva em grande parte das demandas que lhe chegam.

As redes de atenção à saúde são essenciais para o atendimento das pessoas; elas precisam estar organizadas, precisam ser efetivas e o contrato precisa ser o documento que dá garantia jurídica às relações compartilhadas, interfederativas da saúde. No SUS, o compartilhamento, a interdependência não é uma sugestão; é uma determinação constitucional e, para tanto, o papel relevante das comissões Intergestores, em especial a Tripartite, que pactua as diretrizes nacionais do SUS. Vou trabalhar para o fortalecimento cada vez maior da Comissão Intergestores Tripartite por ser o espaço de discussão conjunta do SUS.

 

Consensus – Sabemos que a Atenção Primária à Saúde é responsável pela solução de até 80% dos problemas de saúde, no entanto o acesso da população e até mesmo o desconhecimento por parte dos usuários do seu funcionamento, acabam por enfraquecê-la. Como o senhor pretende fortalecer e qualificar a Atenção Primária à Saúde?

Marcelo Castro: A Atenção Primária de qualidade e em quantidade suficiente é fundamental para a qualidade e a sustentabilidade do sistema público de saúde. Afinal, o serviço é capaz de resolver 85% dos agravos. Além do mais, ela é ordenadora do sistema. É por meio da atenção primária ou básica que se ordenam os serviços. É um orgulho para qualquer país com sistema de saúde universal ter um serviço de Atenção Primária de qualidade. Algumas medidas que foram tomadas, como o Programa Mais Médicos, que permitiu reforçar a Atenção Primária e o Saúde da Família, sendo hoje 18.240 médicos, presentes em mais de 4 mil municípios e em todos os distritos indígenas, que garantem a cobertura de 63 milhões brasileiros. Isso mostra a prioridade que o governo federal está dando a esse nível de atenção à saúde. A ideia é avançar nas estratégias para o fortalecimento da Atenção Básica, na sua estrutura, qualificação e oferta de serviços.

Além do mais, é necessário somar medidas estruturais às medidas conjunturais atuando de modo intenso na formação de profissionais de saúde para a Atenção Primária. Não se pode ter um modelo de sistema e um outro modelo de formação de profissionais. Se o SUS tem como estrutura básica a atenção primária é indiscutível que tenha pessoas com essa formação. Por isso temos de atuar em duas frentes: as emergenciais, conjunturais, e as permanentes, estruturais. O Ministério está buscando atuar nessas duas frentes conjuntamente. Temos ainda de fazer uma revisão dos conteúdos da média complexidade para reformular os conteúdos da Atenção Básica.

 

Consensus Em relação aos recursos humanos, como fazer que o SUS seja de fato o ordenador dessa formação, exercendo de forma plena o seu papel de formar profissionais com o perfil voltado às necessidades do sistema e como enfrentar as dificuldades para o adequado provimento e fixação de profissionais, em especial de médicos no SUS?

Marcelo Castro: É o tema que comecei a abordar na pergunta anterior. O Programa Mais Médicos contribuiu para esse processo. No campo da formação, está sendo promovida uma ampliação criteriosa e direcionada do ensino médico – a meta do governo federal é criar 11,5 mil novas vagas de graduação e 12,4 mil novas vagas de residência até 2017. Dessas, já foram autorizadas 5.306 vagas de graduação (3.616 em escolas privadas e 1.690 em universidades públicas) e 7.742 vagas de residência. Essa expansão vem acompanhada de mudanças qualitativas no curso de medicina: pelas novas diretrizes curriculares, os estudantes devem cursar 30% do internato (atividades práticas) na Atenção Básica. Além disso, médicos que desejem cursar uma residência médica deverão realizar, obrigatoriamente, um a dois anos de prática em unidades básicas de saúde. Agora, estamos consolidando o Cadastro Nacional de Especialistas, pelo qual poderemos conhecer onde estão e quantos são os médicos especialistas do país. Isso nos dará subsídios para estimular a formação de profissionais dentro das necessidades do SUS.

 

Consensus – Na cerimônia de posse no Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff mencionou que o senhor dará continuidade às ações do Programa Mais Médicos, bem como trabalhará para tornar realidade o Programa Mais Especialidades que já está em fase de construção. Como o senhor e sua equipe darão seguimento a essas ações?

Marcelo Castro: Meu empenho será dar continuidade ao trabalho de implantação do Programa, que já é uma realidade para 63 milhões de brasileiros. Pretendo dar continuidade às ações que estão em andamento, além de aprimorar o Programa para sua expansão, conforme mencionei nas perguntas anteriores.

 

Consensus – No seu discurso de posse, o senhor também mencionou a questão da mudança do perfil epidemiológico como fator importante a ser considerado. Como o SUS pode se preparar para dar conta dessas mudanças e das implicações causadas por ela?

Marcelo Castro: Para lidar com essa situação, precisamos avançar na política de promoção da saúde e prevenção de doenças. Não basta viver; é preciso viver bem, ter qualidade de vida. Viver com dignidade. Por isso, todos os fatores que possam influenciar a saúde – o envelhecimento, a violência urbana, a obesidade, a dependência de drogas, a saúde mental – são elementos essenciais que devem ser considerados no planejamento da saúde. Será necessário um planejamento capaz de olhar para o futuro e prever as mudanças de médio e longo prazo.

O Ministério da Saúde atua em frentes que visam diminuir os impactos negativos que a mudança social acarreta. Um exemplo são as políticas que estimulam a alimentação saudável, a manutenção do peso, a prática de exercícios físicos, a redução do tabagismo, o controle da pressão arterial e das taxas de glicemia e colestorolemia. Com práticas de vida mais saudáveis, evitamos o adoecimento ou reduzimos o impacto das doenças crônicas não transmissíveis. Aliás, a Constituição determina a integralidade da atenção à saúde impondo que se deve dar prioridade às ações preventivas, sem descuidar das curativas. Isso demonstra a prioridade traçada na questão da prevenção que garante vida saudável porque a doença deve ser evitada a todo custo mediante políticas sociais e econômicas que evitem o risco de adoecer.

 

Consenus – O senhor mencionou em seu discurso de posse que é preciso despertar na sociedade o sentimento de pertencimento ao SUS. Este ano teremos a 15ª Conferência Nacional de Saúde. Como o senhor pretende atuar em relação ao controle social do SUS?

Marcelo Castro: O controle social é um dos princípios do SUS e a democracia participativa é um grande ganho para a saúde pública brasileira. Temos de aproveitar o momento em que todos os gestores, trabalhadores de saúde, profissionais, parlamentares, população estarão reunidos na 15ª Conferência Nacional de Saúde para debater assuntos estratégicos para a saúde brasileira. Esse será o momento em que poderemos debater como superar dificuldades e como aprimorar o SUS. Não podemos perder os avanços já conquistados, mas também não podemos ignorar os problemas existentes. É necessário fazer um diagnóstico sobre a saúde brasileira e apontar suas diretrizes para os quatro anos futuros. A saúde há 27 anos vem avançando e talvez hoje esteja enfrentando o seu maior desafio. Sem que todos se somem nessa luta pelos direitos sociais, e aí surge a questão do sentimento de pertencimento a determinados valores sociais que precisam ser constantemente despertados, firmados, encorpados na população, porque sem ela, sem a sua reivindicação, sem a sua participação, enfrentar desafios e superá-los será mais difícil. Nesse sentido, o Ministério da Saúde e todos os demais entes e gestores públicos precisam se unir à população na discussão de suas políticas e isso tem sido feito nos conselhos, nas conferências e precisa ser sempre reforçado.

Lembro que o SUS foi criado a partir da participação social, em especial na 8º Conferência Nacional de Saúde de 1986, cujo relatório balizou a construção do texto do artigo 196 da Constituição Federal. Essa é comprovação cabal de que a participação social é imprescindível para que haja mais avanços na saúde pública. E considerando o tamanho do Brasil, a participação social deve ser cada vez mais efetiva e intensiva para que alcancemos a universalidade, a integralidade e a equidade no nosso sistema público de saúde.

 

Consensus – Como resgatar na sociedade brasileira o sentimento de que o SUS um direito que precisa ser defendido?

Marcelo Castro: O SUS é um direito de todos e o nosso dever é garantir atendimento de qualidade e humanizado para a população. O aprimoramento e a defesa do SUS são prioridades para o governo federal. O brasileiro precisa ter renovado o sentimento de pertencimento, a sensação de que o SUS é de cada um e de todos. Manter a saúde pública de portas abertas, gratuita, integral e disponível a todos é o melhor modo de mostrarmos aos brasileiros que o SUS é uma conquista de direito que deve ser abraçada e defendida. Levar cada vez mais ao conhecimento público todos os serviços realizados pelo SUS em prol dos brasileiros, desde a vacina até o transplante, é uma forma de mostrar que o SUS está presente na vida de todos. Promover a aproximação dos cidadãos e dos servidores públicos da saúde por meio da humanização do atendimento também contribui para que os brasileiros sintam-se plenamente contemplados pelo SUS.

Como Ministro da Saúde assumo o desafio de, junto com todos, melhorar o nível de saúde da população brasileira, com isso conto com a participação dos gestores, parlamentares e da sociedade civil. A 15ª Conferência Nacional de Saúde é um meio para instigarmos as pessoas a lutarem por um SUS melhor, equânime.

 

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