Participantes defenderam o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde e o aprimoramento da formação médica no Brasil
A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados se reuniu na última quinta-feira (13), para a criação do Grupo de Trabalho de Solução Diagnóstica através da Valorização do Clínico, em audiência pública sobre o tema. De acordo com o deputado Luiz Ovando (PSL-MS), que requereu a criação do grupo, “vivemos momento crítico de urgencialização da medicina decorrente da insuficiência de diagnóstico primário que evolui de forma adversa para condições de agravamento e consequente urgência.” Para o deputado, é nítido o progresso e o aprimoramento das inciativas do Sistema Única de Saúde (SUS) e o maior desafio do sistema está na resolubilidade da Atenção Primária à Saúde (APS), onde a clínica também não se faz resolutiva. “O clínico se distancia cada vez mais do paciente e do SUS como todo. O modelo de atendimento quebrou um pilar fundamental do diagnóstico clínico que é a relação médico-paciente. Qual saída para buscar essa resolubilidade?”, questionou. Para Ovando, falta uma política de governo que estimule a formação e a prática clínica.
Representando o presidente do Conass, Carlos Lula, o secretário executivo do Conselho, Jurandi Frutuoso, pontuou aspectos para a valorização do profissional clínico e sua atuação no sistema de saúde o que, segundo ele, é importe porque consegue, em conceitos e práticas, responder por um percentual elevado de casos nos serviços de saúde. Frutuoso citou como fragilidades a dificuldade na formação e a oferta de vagas para estágio; a proliferação de faculdades e a oferta inadequada de professores; e a insuficiência de campo de prática. “Esses aspectos evidenciam a necessidade de aprimoramento na formação do profissional clínico, assim como a adequação curricular seguindo as diretrizes do SUS e, no campo da formação, para fortalecer a vocação dos profissionais”.
Segundo Anna Patrícia de Paula, coordenadora-geral de Atenção Especializada da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (Saes), do Ministério da Saúde, é preciso incentivar a formação de médicos de Família e Comunidade para que integrem a Estratégia de Saúde da Família (ESF). Ela defendeu a integração do profissional clínico nas unidades de atenção especializada que apoiam a APS, a fim de ampliar a cobertura e melhorar o modelo, a efetividade e o desempenho das atenções Primária e Especializada, quebrando barreiras de acesso e promovendo o acolhimento em ambas.
A coordenadora também enfatizou a importância da regionalização, considerando o território e a diversidade dos municípios brasileiros, assim como da criação de redes que ofertem, via regulação, a assistência no tempo oportuno. “Mesmo atuando na Atenção Especializada, reconheço que o fortalecimento da APS é o que vai mudar os determinantes de saúde. Por isso precisamos estabelecer uma atenção primária mais forte e robusta, fomentando o aumento das equipes, tratando de questões como a disponibilidade de profissionais e a Lei de Responsabilidade Fiscal, visando cada vez mais integralidade do cuidado”, ponderou.
Segundo Karoliny Evangelista de Moraes Duque, coordenadora-geral de Garantia dos Atributos da Atenção Primária à Saúde, da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), a cobertura da Estratégia de Saúde da Família hoje no Brasil é de 62,34%, ressaltando que estratégia é prioritária e induz, preferencialmente, a inserção do médico de Família e Comunidade na composição das equipes, visando aumentar a resolubilidade da APS.
De acordo com Duque, a qualificação clínica atualmente é feita por meio da qualificação do diagnóstico e de instrumentos como protocolos clínicos e de encaminhamentos e linhas de cuidado. “A SAPS tem fomentado esforços no sentido de elaborar e induzir protocolos e termo de descentralização, como a parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), por meio do telessaúde, onde o médico de Família, em contato com o especialista, busca auxílio para o diagnóstico e tomada de decisão. Para além da formação, as ferramentas de apoio diagnóstico auxiliam muito na qualidade da clínica”, explicou.
As ações do Ministério da Saúde para avaliação de critérios de expansão de cursos de medicina abordam desde as estruturas e os equipamentos de saúde até programas, vigentes ou não, que necessitam de qualificação, revisão normativa e atualização, buscando indicadores mais claros e bases dados oficiais transparentes, conforme relatou a diretora de Gestão da Educação na Saúde, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde (SGTES), Musa Denaise de Sousa Morais de Melo. “O objetivo do Simapes (Sistema de Mapeamento em Educação na Saúde) é fazer essa análise e disponibilizar informações pertinentes à educação em saúde no Brasil, por meio da sistematização de dados de interesse público relativos aos cursos técnicos e de graduação na área de saúde e estruturas de serviços de saúde”.
Já o diretor substituto do Departamento de Gestão do Trabalho em Saúde (DEGTS/ SGTES), Gustavo Hoff, relatou ações do ministério relacionadas à formação de especialistas e à residência médica. Para ele, o processo de ensino e serviço é fundamental na qualificação profissional, que requer informação em quantidade e qualidade. Ele explicou que nas regiões onde há baixa oferta de médicos, como o Norte do país, a quantidade de programas de residência é pequena, o que levou a ações conjuntas com Conass e o Conasems para implementação de um Plano Nacional de Fortalecimento das Residências de Saúde, cujo objetivo é apoiar essas regiões criando programas de residência.
“Temos um número relevante de egressos de medicina que precisam dessa oportunidade, por isso trabalhamos para melhorar as condições da residência, não apenas com novos programas, mas no que diz respeito às condições remuneratórias e de cenários de práticas e preceptoria, olhando para o papel da formação e para a relação entre residente e preceptor”, esclareceu. Segundo Hoff, a execução e validação de planos de trabalho pelos residentes qualifica a execução e fomenta a produção científica, ofertando incentivos aos preceptores que vão além ao financiamento.
Uma ação em desenvolvimento na SGTES pretende alinhar as condições de oferta de incentivo a preceptores em todo o país, por meio de editais com abertura de 1200 a 1600 vagas para processo formativo a ser acompanhado pelos ministérios da Saúde e da Educação. Em relação à qualificação das residências e dos processos complementares, o diretor disse que a Saúde está aberta à discussão nos espaços colegiados, nas comissões de residência médica e multiprofissional no Ministério da Educação, e no parlamento, a fim de pautar a qualificação e a complementação da matriz curricular necessárias às residências.
Gustavo Hoff finalizou destacando que as regiões com dificuldades não só em questão de estrutura e cenário de prática, mas na construção de projetos pedagógicos podem contar com as equipes da SGTES para auxiliar, in loco, com os trâmites administrativos necessários para a condução do projeto até as comissões responsáveis no MEC (Comissão Nacional de Residência Médica e Residência Multiprofissional). “Nosso objetivo é que novos programas sejam aprovados e que possamos financiá-los”.
Nessa perspectiva, Frutuoso destacou a importância de que a residência médica que possa ser feita no SUS a fim de promover o aprendizado em relação a importância do sistema na prática da medicina. “A lei do Programa Mais Médicos determina que, para cada egresso, se abra uma vaga para residência. O fato é não estamos cumprindo a lei”, argumentando que a oferta de residência médica ajuda a fixar profissionais em vários cantos do país.
Defesa do SUS e Combate às Desigualdades
O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Donizetti Dimer, disse que o SUS está fragilizado e que precisa ser defendido e protegido. A desigualdade social e econômica, segundo ele, representa a distribuição de médicos no país e que a demografia médica demonstra a concentração de profissionais nos maiores centros, mesmo com o aumento de médicos formados (14 mil/ano em 2013 e cerca de 35 mil atualmente). “Esse aumento não fez mudar em nada a alocação de médicos nas cidades com menor provimento, o que significa que precisamos da implantação de uma política de Recursos Humanos que atraia médicos e outros profissionais para os lugares de mais difícil fixação”, ponderou.
Dimer relatou que a Comissão Pró-SUS, do CFM, aposta no combate à desigualdade para o estabelecimento de uma política pública de fixação de profissionais, defendendo como eixos o financiamento e combate à corrupção com boa gestão; a carreira que garanta o comprometimento profissional dos médicos; e a boa formação clínica no curso de medicina, que se adeque ao principal alicerce do sistema de saúde que é a sua porta de entrada. Ele destacou que houve um descompasso entre a criação das políticas públicas e sua implementação, citando como exemplo a Estratégia de Saúde da Família. “A proposta é apropriada ao modelo universal, mas não preparamos especialistas para ela. Esse descompasso dessensibilizou boa parte dos médicos que integram a estratégia, sejam aqueles que vão entrar na residência ou que vão se aposentar e que encaram o programa como uma passagem. Outro exemplo é o fato de abrirmos uma frente de trabalho com milhares de equipes, sendo apenas 10% dos médicos com titulação de médico de Família”, pontuou.
O vice-presidente fez uma crítica à municipalização excessiva, argumentando que ela traz dificuldades a serem corrigidas com a devida hierarquização e referência e contrarreferência. “Sem estabilidade profissional e com contratos precários, os médicos ficam sujeitos a questões políticas do seu local de atuação. Além disso, o sistema público não oferece condições de desenvolvimento profissional e pessoal em determinadas localidades e diante da ausência de políticas públicas de Recursos Humanos, o sistema privado acaba atraindo esses profissionais”.
Donizetti Dimer defendeu que a relação médico paciente é o principal valor da profissão e que a evidência cientifica deve se juntar à racionalidade e à capacidade de decisão. “Quanto mais tempo levar uma consulta, menor será o número de remédios prescritos, por isso é importante que o médico tenha tempo para falar com as pessoas, que alimente a esperança de quem o procurou e que precisa de informação, atualização científica e acolhimento, prática fundamental principalmente na APS”, argumentou.
Em relação à telemedicina, Dimer disse que o CFM está revisando a resolução dentro dos princípios de autonomia, considerando que a prática não deve ser compulsória e que o paciente tenha o direito de optar ou não pela telemedicina. “Diante dos princípios da segurança, da qualidade do diagnóstico e da proteção de dados, sob leis que protegem o sigilo e a preservação da relação médico-paciente, a telemedicina pode ser uma oportunidade de integração de redes diante da excessiva municipalização”. E completou que a telemedicina será mais uma oportunidade para que o SUS melhore o acesso e promova a troca de conhecimento e de experiência, assim como a racionalização de recursos, especialmente para pacientes com diagnósticos consolidados. “No entanto, temos muitas ressalvas nos primeiros atendimentos nas emergências sem a presença do médico, pois entendemos que a telemedicina veio para servir à medicina, para complementar e não substituir”.
As ações do CFM, neste sentido, conforme relatou Dimer, compõem a criação de plataformas públicas de prescrição e a possibilidade de se tornar uma autoridade registradora, diminuindo o custo da assinatura digital qualificada, provavelmente custeada pelo próprio conselho.
Para Frutuoso, a telemedicina é importante, mas não pode se antecipar à relação do médico com seus pacientes. “Na clínica, desde sempre, a tecnologia, embora importante, é secundária. Esses profissionais devem priorizar a ausculta, o olhar e o ouvir, por isso a percepção social e interpessoal é fundamental para a prescrição correta e para o atendimento do usuário dentro da rede assistência”.
Em relação à prática clínica, o secretário executivo destacou que se fazem necessários o vínculo laboral estável; os direitos trabalhistas; a segurança e a estabilidade para exercer a profissão; e o salário adequado, e o papel da gestão nesse processo é fundamental. “Que estruturas estamos oferecendo a esses profissionais. A gestão deve garantir a educação permanente e a regularidade da atualização do profissional, ou então, ele estará isolado e desmotivado”.
Por fim, Frutuoso falou na necessidade de mudar o modelo de atenção à saúde no Brasil, tornando a Atenção Primária à Saúde de fato a ordenadora do sistema e reforçando a regionalização, considerando que o Brasil continua com um modelo de gestão para condições agudas, sendo que as condições crônicas representam mais 70% das necessidades de saúde.
A íntegra do debate está disponível no canal da Câmara dos Deputados: https://www.youtube.com/watch?v=U8GX03vU1sM