Sob risco de ser fechado, Hospital da Criança é abraçado pelos brasilenses

Foto: Luis Nova/Esp. CB/D.A Press

Equipes médicas, familiares, pacientes e autoridades públicas se mobilizam em nome de uma das unidades de saúde mais reconhecidas da capital federal. Está previsto para quarta-feira um abraço simbólico ao redor da sede da instituição, que corre risco de ser fechada

Autoridades públicas, médicos, enfermeiros, familiares e pacientes do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB) se mobilizam em prol da unidade de saúde, que corre risco de ser fechada. Um ato simbólico contra a saída do Instituto de Câncer Infantil e Pediatria Especializada (Icipe), ainda responsável pela gestão do HCB, está marcado para quarta-feira. Os administradores colocaram o hospital à disposição da Secretaria de Saúde na sexta-feira, após decisão judicial que proibiu a organização social de contratar com o poder público pelo prazo de três anos.

O ato em frente ao Hospital da Criança ocorrerá às 9h30, quando será dado um abraço ao redor da sede da instituição,  no Setor de Áreas Isoladas Norte (Sain). Pelas redes sociais, o governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), confirmou presença. Ele tentará reverter a decisão do juiz da 7ª Vara de Fazenda Pública que culminou na saída do Icipe da administração do HCB. Para isso, o governo recorrerá à segunda instância do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) (leia abaixo).

Para quem faz tratamento, a situação provoca insegurança. Mães, pais e funcionários da unidade médica não consideram que a entrega da gestão ao GDF resulte na manutenção da qualidade dos atendimentos oferecidos. Raniele Vieira Dantas, 38 anos, mãe de Fabio Dantas, 14, elogia o trabalho feito pela equipe do HCB. O adolescente faz acompanhamento desde que nasceu para tratar uma fibrose cística. Nunca teve problemas com falta de medicamentos ou de exames. “É o melhor atendimento que ele teve na vida. O tratamento é de excelência, e o meu filho gosta muito. Sempre há algum tipo de entretenimento para ele, o que diminui os momentos de sofrimento”, conta Raniele, moradora de Ceilândia Norte.

Maria da Conceição Freitas, 48, está preocupada com a possibilidade de Michelle Freitas, 13, perder a assistência do hospital. “Por causa de uma doença crônica, a minha filha vai toda quarta-feira para fazer fisioterapia respiratória. Estamos lá desde que abriu e, antes, passávamos por situações que só quem vive é capaz de relatar”, afirma. “É um diferencial muito grande. O HCB tem a melhor estrutura física, e somos tratados como seres humanos. Desde o dia em que abriu, não há nada fora do lugar. Tudo está sempre impecável: desde a limpeza à forma de tratar as pessoas. Em qual hospital você chega e há um piano tocando para a sua criança? Pergunto-me por que estão tentando destruir isso.”

Catastrófico

A situação do Hospital da Criança fez com que o secretário de Saúde, Humberto Fonseca, se manifestasse nas redes sociais. Na página pessoal do gestor no Facebook, ele fez um longo desabafo com o título: “Por favor, nos deixem trabalhar”. Humberto alegou que o Icipe, empresa responsável pela administração desde 2011, é uma organização “séria e comprometida” e disse que esse modelo de administração “é um sonho de quem é apaixonado por SUS (Sistema Único de Saúde): um hospital gerido pelos funcionários” (leia Desabafo). Humberto disse, ainda, que, sem condições de o GDF administrar a unidade de saúde, o Hospital da Criança corre risco de fechar.

Em nota, a Secretaria de Saúde reforçou que o cumprimento da sentença que impede o Icipe de contratar com o poder público trará “consequências catastróficas para os usuários dos serviços públicos de saúde, especialmente as crianças”. A pasta informou que a unidade realiza mais de 40 mil atendimentos mensais, entre consultas médicas, exames e procedimentos das diversas subespecialidades pediátricas.

Realidade social

A mobilização também ganha apoio de autoridades ligadas a outros órgãos públicos. O promotor de Justiça do MPDFT Jairo Bisol se manifestou pelas redes sociais. Ele defendeu que órgãos de controle e jurisdição devem garantir a governabilidade. Acrescentou que decisões recentes no âmbito da Justiça comum, do Tribunal de Contas e da Justiça do Trabalho retiram do gestor do SUS as ferramentas para manutenção do sistema de saúde em funcionamento. “Estamos implodindo irrefletidamente a governabilidade de um sistema carente: vamos colher dor, morte e padecimento por nossa insensibilidade”, diz.

O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas questionou a quem interessaria o desalojamento de crianças com câncer de um hospital “reconhecidamente eficiente e de excelência”. “Autoridades públicas não podem estar descoladas da realidade social em que vivem. Do ponto de vista social, o fechamento do Hospital da Criança é mais do que preocupante. É um verdadeiro desastre”, avalia.

Desabafo

Na noite de sábado, o secretário de Saúde, Humberto Fonseca, publicou um desabafo no perfil dele no Facebook. Confira alguns trechos:


“Desde 2011, (o Hospital da Criança de Brasília) é administrado em parceria com o Icipe, uma organização social séria, comprometida, instituída pela própria Abrace, e que tem hoje 98,8% de aprovação de seus usuários e 96% de seus trabalhadores. É o sonho de quem é apaixonado por SUS: um hospital gerido pelos usuários”

“O cumprimento da decisão do TCDF significa fechar as nossas seis UPAs, 10 ambulâncias e um hospital inteiro ou quatro emergências hospitalares. Estamos em alta sazonalidade, os pronto-socorros estão superlotados. Há pacientes internados em número de duas a três vezes a capacidade das emergências. Como vamos eliminar todos esses leitos do sistema?”

“Que sentido faz retirar do gestor da saúde do Distrito Federal os instrumentos de gestão necessários a manter o sistema funcionando, mesmo com todas as dificuldades advindas do excesso de demanda, da burocracia dos procedimentos e do subfinanciamento? Qual é o objetivo de uma decisão dessas? Que interesse público está sendo defendido?”

“Apesar dos relevantes serviços prestados às crianças da nossa capital e apesar de não haver nenhuma acusação de malversação ou desvio do recurso público, o Hospital está em grande perigo, havendo risco de perecimento de todo esse projeto em razão de decisões judiciais que proíbem a renovação da contratação do Icipe”

“Há uma completa inversão de valores. Quem está se lascando para inovar, fazer diferente, dar qualquer passo em direção a uma gestão mais moderna é visto como desonesto, incompetente. Os termos da decisão da 11ª Vara do Trabalho chegam a ser ultrajantes”

“Neste momento, gestão de saúde pública é a coisa mais difícil que um cristão pode fazer. Se houver qualquer desvio ou desonestidade, insisto que investiguem, mas não punam a população para fazer oposição ao governo que está se esforçando para acertar”

“Ainda acredito que vamos conseguir superar esses obstáculos. Carga máxima esta semana. Não vou usar o batido jargão de que acredito na Justiça. A Justiça é feita por seres humanos, e seres humanos erram. Mas acredito nas instituições, e o mais provável é que, ao final, prevaleça a verdade. A preocupação é que o final demore demais e, nesse meio tempo, vidas e oportunidades se percam”

Texto de  Isa Stacciarini JE Jéssica Eufrásio 

Reportagem publicada no jornal Correio Braziliense