CI n. 227 – Publicado o DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO n. 916 sobre edição de parecer jurídico com a finalidade de fixar a interpretação de textos legais relacionados à ética médica

 

 

DESPACHO DO CONSULTOR-GERAL DA UNIÃO Nº 916/2013

 

PROCESSO: 00405.005760/2013-83

INTERESSADO: Ministério da Saúde

ASSUNTO: Edição de parecer jurídico com a finalidade de fixar a interpretação de textos legais relacionados à ética médica.

Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União,

1. Aprovo, integralmente, e sem ressalvas ou restrições, o Parecer nº 051/2013/DECOR/CGU/AGU, da lavra do Dr. Sergio Eduardo de Freitas Tapety, que instrumentaliza resposta a consulta oriunda do Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Saúde.

2. O Projeto Mais Médicos para o Brasil conta com marcos regulatórios próprios e peculiares, nomeadamente a Medida Provisória nº 621/2013 e o Decreto nº 8.040/2013. Deve-se aplicar essas regras, em desfavor de regulamentação geral e pretérita, a exemplo, especialmente, da Lei nº 3.268/57 e do Decreto nº 44.045/58. O caso presente é regido por norma específica, em prejuízo de norma geral, que é afastada, por força de aplicação de princípio geral de Direito que dispõe que lei especial afasta norma geral.

3. Nesse sentido, o desdobramento e a aplicação fática do projeto de política pública tratado pelo parecer aqui aprovado deve ser contemplado com as disposições da Medida Provisória nº 621/2013 e o Decreto nº 8.040/2013, em todos os sentidos possíveis.

4. Do ponto de vista prático, e como consequência, registre-se que a expedição de registros provisórios, por parte dos Conselhos, exige, tão somente, a documentação indicada na Medida Provisória nº 621/2013 e no Decreto nº 8.040/2013, bem como na Portaria Interministerial MS/MEC nº 1.369/2013.

5. Não há situação que justifique a exigência de outros papeis, que não os que especificamente apontados nesses textos normativos. Mandatória e compulsória é a expedição de registros provisórios para o exercício da Medicina, na hipótese presente, uma vez de que constatada a apresentação da documentação exigida, no contexto do Programa Mais Médicos para o Brasil. Bem entendido, a Medida Provisória nº 621/2013 tem força de lei: trata-se de situação que revela relevância e urgência, justificadoras do uso do instrumento previsto no art. 62 da Constituição Federal.

6. É firme a fundamentação jurídica de que a responsabilidade solitária não pode resultar de mera presunção. Há necessidade de expressa disposição legal, por força inequívoca da atração do princípio da legalidade, que rege a matéria.

7. É também por força de previsão legal expressa, direta e indiscutível que não se pode imputar corresponsabilidade a profissionais da Medicina que atuam em supervisão ou tutoria, em relação a ações ou omissões praticadas pelos profissionais que atuam no Programa Mais Médicos para o Brasil.

8. Acrescento que qualquer ilação no sentido de que haveria qualquer possibilidade de responsabilização qualificaria medida inibidora e constrangedora da prática médica, tal como concebida no Programa Mais Médicos para o Brasil, como pauta necessária de política pública, que conta com previsão constitucional (art. 196 da Constituição de 1988).

9. É inconteste, como consignado no parecer aqui aprovado, que os arranjos institucionais e legais com os quais contamos não autorizam o Conselho Federal de Medicina a fixar situações de responsabilização de profissional que transcendam àquelas já determinadas em lei.

10. Ressalto também que a responsabilização na prática da Medicina, em todas as suas formas, dolosas ou culposas, são exclusivamente pessoais e subjetivas, vinculando o profissional às ilicitudes eventualmente praticadas.

À consideração superior.

Brasília, 12 de setembro de 2013.

ARNALDO SAMPAIO DE MORAES GODOY

Consultor-Geral da União

 

PARECER Nº 051/2013/DECOR/CGU/AGU


PROCESSO Nº 00405.005760/2013-83

INTERESSADO: Ministério da Saúde

ASSUNTO: Edição de parecer jurídico com a finalidade de fixar a interpretação de textos legais relacionados à ética médica.

PROGRAMA MAIS MÉDICOS. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS INTEGRANTES DO PROJETO MAIS MÉDICOS PARA O BRASIL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 621, DE 8 DE JULHO DE 2013. NORMA ESPECÍFICA QUE DISCIPLINA O PROJETO MAIS MÉDICOS PARA O BRASIL. NÃO INCIDÊNCIA DA RESOLUÇÃO CFM Nº 1832, DE 2008.

Senhor Consultor-Geral da União,

1. Por meio do Aviso º 1345/GM/MS, de 20 de agosto de 2013, o Ministro de Estado da Saúde solicita ao Advogado-Geral da União “a edição de parecer jurídico com a finalidade de fixar a interpretação de textos legais relacionados à ética médica, sua fiscalização e responsabilização contidos a Lei nº 3.268, de 1957, especificamente de seus arts. 2º, 5º, 15, “c” e “d”, 21 e 22, e na Medida Provisória nº 621, de 2013, especificamente do § 5º do art. 10, § 5º, dentre outros dispositivos contidos em outros atos normativos e que se apliquem à matéria.”

2. Solicita, ainda, que se leve em consideração, na análise, o Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução nº 1931, de 2009, do Conselho Federal de Medicina.

3. Informa que essa solicitação decorre de nota emitida pelo referido Conselho e pelos Conselhos Regionais de Medicina intitulada “Alerta aos médicos gestores, supervisores e tutores do Programa ‘Mais Médicos'”. Nessa nota foi exposto que, “conforme os ditames dos artigos 1º, 3º, 5º, 6º, 18, 32 e 50 do Código de Ética Médica, tais médicos estão (sic) passíveis de processos e penalizações de caráter éticoprofissional, civil e criminal pelos atos praticados por participantes e intercambistas do Programa ‘Mais Médicos'”.

4. Nesse Aviso consta a seguinte indagação: “Pode ser imputada, como diz a nota, aos ‘médicos em cargos de gestão pública ou de supervisão e tutoria de ensino médicos supervisores e tutores’ que assumirem ‘compromissos com o programa criado pela MP 621/2013’, do ponto de vista ético-profissional, civil e criminal, ‘corresponsabilidade com o profissional estrangeiro’ nos casos listados na nota, ou em outras situações semelhantes?”

5. Em aditamento ao mencionado Aviso, foi encaminhado ao Advogado-Geral da União o Aviso nº 1386/GM/MS, 9 de setembro de 2013, com o seguinte teor:

“a) considerando o disposto na legislação referente ao Programa Mais Médicos, notadamente as disposições relativas aos documentos e trâmites necessários ao requerimento e à inscrição dos médicos intercambistas nos Conselhos Regionais de Medicina, com a expedição de registro provisório e carteira profissional, podem os Conselhos Regionais de Medicina exigir quaisquer outros documentos que não os elencados na Medida Provisória nº 621, de 2013, Decreto Federal nº 8.040, de 2013 e Portaria Ministerial MS/MEC nº 1.369, de 2013?

b) podem os Conselhos Regionais de Medicina aplicar supletivamente a Resolução CFM nº 1832, de 2008, ainda que os documentos e exigências ali estabelecidas não constem expressamente da legislação afeta ao Programa Mais Médicos?

c) podem os Conselhos Regionais de Medicina aplicar supletivamente a Resolução CFM nº 1832, de 2008, ainda que as situações disciplinadas pela referida Resolução sejam diversas das situações abrangidas pelo Programa Mais Médicos?”

É o relatório.

6. A análise que envolve o caso em tela decorre de nota emitida pelo Conselho Federal de Medicina e pelos Conselhos Regionais de Medicina intitulada “Alerta aos médicos gestores, supervisores e tutores do Programa ‘Mais Médicos'”.

7. Consta na mencionada nota :

“Alerta aos médicos gestores, supervisores e tutores do Programa ‘Mais Médicos'”

Brasília, 13 de agosto de 2013.

Preocupados com a segurança dos pacientes brasileiros atendidos por médicos estrangeiros sem aprovação no exame Revalida em seus moldes atuais, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e os 27 Conselhos Regionais de Medicina (CRMs), reforçam à sociedade a importância de que sejam observadas as normas éticas da categoria, atualmente em vigor.

As entidades ressaltam aos gestores públicos e aos médicos supervisores e tutores do Programa ‘Mais Médicos’ que, no exercício dessas funções, também estão sujeitos às regras previstas no Código de Ética Médica, conforme explicito no inciso I do seu Preâmbulo e em seus Princípios Fundamentais.

Ao assumir (sic) compromissos com o programa criado pela MP 621/2013, os médicos em cargos de gestão pública ou de supervisão e tutoria de ensino assumem corresponsabilidade com o profissional estrangeiro em caso de:

1) Denúncia ou constatação de dano a paciente por ação ou omissão, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência;

2) Indicação de procedimento, mesmo com a participação de vários médicos, que resulte em dano;

3) Não uso em favor do paciente de todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance;

4) Acobertamento ou conduta antiética em desfavor do paciente.

Portanto, conforme os ditames dos artigos 1°, 3°, 5°, 6°, 18, 32 e 50 do Código de Ética Médica, tais médicos estão (sic) passíveis de processos e penalizações de caráter ético-profissional, civil e criminal pelos atos praticados por participantes e intercambistas do Programa ‘Mais Médicos’.

A população, que se sentir prejudicada, pode encaminhar suas denúncias aos CRMs do Estado onde houver sido realizado o atendimento para que as providências sejam tomadas.

Conselho Federal de Medicina – Conselhos Regionais de Medicina”

8. Com relação especificamente à indagação formulada pelo Ministro da Saúde , antecipo meu posicionamento, pelas razões a seguir expostas, no sentido de que os médicos em cargos de gestão pública ou de supervisão e tutoria de ensino, por falta de previsão legal, não são corresponsáveis com o profissional estrangeiro.

9. Primeiramente, o Programa Mais Médicos, previsto na Medida Provisória nº 621, de 2013, tem como finalidade formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde – SUS (art. 1º).

10. A citada Medida Provisória fixou os objetivos do citado Programa, podendo destacar os seguintes: a) aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica durante o processo de formação; b) fortalecer a política de educação permanente com a integração ensino-serviço, por meio da atuação das instituições de educação superior na supervisão acadêmica das atividades desempenhadas pelos médicos; e c) aperfeiçoar médicos para atuação nas políticas públicas de saúde do País e na organização e funcionamento do SUS.

11. Entre as ações para viabilizar os objetivos do Programa Mais Médicos, foi prevista a promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de médicos na área de atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional (art. 2º, inciso III).

 

12. Esse aperfeiçoamento dos médicos participantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil ocorrerá mediante oferta de curso de especialização por instituição pública de educação superior e envolverá atividades de ensino, pesquisa e extensão, que terá componente assistencial mediante integração ensino-serviço (art. 8º).

13. É nesse contexto normativo que se deve inserir a atuação dos supervisores e dos tutores acadêmicos.

14. De acordo com o disposto no art. 9º da Medida Provisória nº 621, de 2013, integram o Projeto Mais Médicos para o Brasil, além do médico participante, o supervisor, profissional médico responsável pela supervisão profissional contínua e permanente do médico; e o tutor acadêmico, docente médico que será responsável pela orientação acadêmica.

15. Portanto, o mencionado dispositivo legal estabelece expressamente a atuação de cada integrante do referido Projeto.

16. Não há na citada Medida Provisória qualquer dispositivo legal que trate da responsabilidade solidária entre os mencionados integrantes do Projeto.

17. É sabido que a responsabilidade solidária não se presume, deve decorrer de texto expresso de lei .

18. Logo, por falta de previsão legal expressa, os médicos em cargos de gestão pública ou de supervisão e tutoria de ensino não são corresponsáveis civilmente pelos atos praticados no exercício da medicina pelo médico participante do Projeto Mais Médicos para o Brasil.

19. Dessa forma, cada médico participante desse Projeto responderá por suas ações ou omissões que caracterizem atos ilícitos , haja vista que a sua responsabilidade é pessoal e subjetiva.

20. Sob a ótica do Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 1931, de 2009, não há dúvida de que sua aplicação incidirá sobre os integrantes do Projeto, tendo em vista o que consta no inciso I de seu Preâmbulo: “O presente Código de Ética Médica contém as normas que devem ser seguidas pelos médicos no exercício de sua profissão, inclusive no exercício de atividades relativas ao ensino, à pesquisa e à administração de serviços de saúde, bem como no exercício de quaisquer outras atividades em que se utilize o conhecimento advindo do estudo da Medicina”.

21. No entanto, na mesma linha argumentativa anteriormente exposta, da responsabilidade subjetiva, o referido Código de Ética Médica é taxativo ao prever no inciso XIX dos Princípios Fundamentais que “o médico se responsabilizará, em caráter pessoal e nunca presumido, pelos seus atos profissionais, resultantes de relação particular de confiança e executados com diligência, competência e prudência.”

 

22. No mesmo sentido são as disposições constantes nos artigos 1º e 5º do Capítulo III, do referido Código, que trata da responsabilidade profissional. Essas regras estabelecem que é vedado ao médico, respectivamente:

Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.

Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.”(N)

“Art. 5º Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou.”

23. Com fundamento no próprio Código Ética Médica, carece de plausibilidade jurídica o argumento apresentado pelo Conselho Federal de Medicina – CFM ao afirmar que “conforme os ditames dos artigos 1º, 3º, 5º, 6º, 18, 32 e 50 do Código de Ética Médica, tais médicos estão (sic) passíveis de processos e penalizações de caráter ético-profissional, civil e criminal pelos atos praticados por participantes e intercambistas do Programa ‘Mais Médicos'”.

24. Esse Código prevê exatamente o contrário do que foi afirmado pelo CFM, pois estabelece expressamente que a responsabilidade do médico é pessoal, subjetiva, devendo ser comprovada em cada caso.

25. O mesmo se pode dizer com relação à responsabilidade criminal das pessoas físicas, que é subjetiva, pessoal e intransferível. Isso quer dizer que essa responsabilidade não transcende da pessoa do delinquente. Esse é o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, espelhado na seguinte decisão:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA GENÉRICA. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INÉPCIA. Nos crimes contra a ordem tributária a ação penal é pública. Quando se trata de crime societário, a denúncia não pode ser genérica. Ela deve estabelecer o vínculo do administrador ao ato ilícito que lhe está sendo imputado. É necessário que descreva, de forma direta e objetiva, a ação ou omissão da paciente. Do contrário, ofende os requisitos do CPP, art. 41 e os Tratados Internacionais sobre o tema. Igualmente, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Denúncia que imputa co-responsabilidade e não descreve a responsabilidade de cada agente, é inepta. O princípio da responsabilidade penal adotado pelo sistema jurídico brasileiro é o pessoal (subjetivo). A autorização pretoriana de denúncia genérica para os crimes de autoria coletiva não pode servir de escudo retórico para a não descrição mínima da participação de cada agente na conduta delitiva. Uma coisa é a desnecessidade de pormenorizar. Outra, é a ausência absoluta de vínculo do fato descrito com a pessoa do denunciado. Habeas deferido. (HC 80549/SP, Relator Ministro Nelson Jobin, DJ 24/08/2001, pp. 00044)

26. Portanto, não há fundamento legal para a tese sustentada pelo CFM de que os médicos em cargos de gestão pública ou de supervisão e tutoria de ensino, à luz do Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1931, de 2009), “estão passíveis de processos e penalizações de caráter ético-profissional, civil e criminal pelos atos praticados por participantes e intercambistas do Programa Mais Médicos.”

27. Especificamente sobre essa questão relacionada à responsabilidade subjetiva dos médicos, cabe trazer à baila a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CIVIL E CONSUMIDOR. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DOS MÉDICOS CIRURGIÃO E ANESTESISTA. CULPA DE PROFISSIONAL LIBERAL (CDC, ART. 14, § 4º).

RESPONSABILIDADE PESSOAL E SUBJETIVA. PREDOMINÂNCIA DA AUTONOMIA DO ANESTESISTA, DURANTE A CIRURGIA. SOLIDARIEDADE E RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADAS.

(…)

6. O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, caput, prevê a responsabilidade objetiva aos fornecedores de serviço pelos danos causados ao consumidor em virtude de defeitos na prestação do serviço ou nas informações prestadas – fato do serviço. Todavia, no § 4º do mesmo artigo, excepciona a regra, consagrando a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais. Não há, assim, solidariedade decorrente de responsabilidade objetiva, entre o cirurgião-chefe e o anestesista, por erro médico deste último durante a cirurgia.

(EResp 605435/RJ, Rel. Ministra Nancy, Segunda Seção, DJe 28/11/2012)

28. Dessa forma, não há dúvida de que a responsabilidade dos médicos rege-se pela teoria subjetiva, dependendo da comprovação da culpa. Logo, os atos praticados pelos médicos participantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil, que violem o Código de Ética Médica ou qualquer norma que discipline o exercício da medicina, não podem ser imputados a terceiros, como pretende o CFM. A responsabilidade, neste caso, é subjetiva, devendo ser apurada a conduta culposa ou dolosa do médico que causou o dano.

 

29. É importante ressaltar, ainda, que os médicos integrantes do referido Projeto (médicos participantes, gestores públicos, supervisores ou tutores acadêmicos) deverão observar o disposto no art. 50 do Capítulo VII, do Código de Ética Médica, que trata da relação entre médicos. Esse artigo estabelece que é vedado ao médico acobertar erro ou conduta antiética de médico.

30. Nesse caso, o médico gestor público, supervisor ou tutor que atue em desrespeito ao citado artigo, responderá por sua conduta.

31. Sob aspecto da conduta ética dos integrantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil, a própria Medida Provisória nº 621, de 2013, em seu art. 10, § 5º, prevê que o médico estrangeiro inscrito no citado Programa estará submetido à fiscalização pelo Conselho Regional de Medicina em que estiver inscrito, conforme legislação aplicável aos médicos inscritos em definitivo. Além disso, esse médico ainda estará sujeito a sanções administrativas (art. 15 ).

32. Diante dessa previsão legal, os Conselhos Regionais de Medicina poderão exercer as suas funções de aferir o desempenho ético-profissional dos médicos estrangeiros.

33. Em reforço ao que foi defendido até o momento, o art. 15 da Medida Provisória nº 621, de 2013, fixou as penalidades que poderão ser aplicadas aos médicos participantes que descumprirem o disposto nesta Medida Provisória e nas normas complementares.

34. Nesse dispositivo não há qualquer regra que determine a corresponsabilidade dos demais integrantes do Projeto Mais Médicos para o Brasil por atos praticados pelos médicos participantes.

35. A Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde segue esse mesmo entendimento, conforme se pode verificar na conclusão contida no PARECER Nº 1040/2013/VAR/COGEJUR/CONJURMS/CGU/AGU:

“(…)

25. Ante todo o exposto, conclui-se que a responsabilização dos médicos no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil ocorrerá exatamente como ocorre em qualquer caso, ou seja, cada médico será responsabilizado por suas próprias ações, observadas as atribuições definidas para o cargo ou a função que estejam a ocupar, e não haverá responsabilização de um médico pela falha de outro. Não há, pois, assunção de corresponsabilidade com o profissional estrangeiro, na medida em que a responsabilização dos médicos será sempre subjetiva, ou seja, dependerá da comprovação de dolo ou culpa de sua parte, consideradas as atribuições do cargo ou função médica que esteja a exercer.”

36. Outro ponto que merece destaque diz respeito à natureza jurídica das normas que regem o Programa Mais Médicos.

37. A Medida Provisória nº 621, de 2013, e o Decreto nº 8.040, de 8 de julho de 2013, estabelecem normas específicas que disciplinam o Projeto Mais Médicos para o Brasil, afastando, assim, as normas gerais estatuídas, principalmente, na Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957 e no Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958.

38. As normas compreendidas na Medida Provisória nº 621, de 2013, e no Decreto nº 8.040, de 2013, devem prevalecer sobre às normas gerais que possam aparentemente estar em conflito, tendo em vista a aplicação dos critérios cronológico e de especialidade.

39. Cabe citar, como exemplo de norma especifica, o disposto no art. 10 da Medida Provisória nº 621, de 2013, que dispensou expressamente a revalidação do diploma do médico estrangeiro que integre o Projeto Mais Médicos para o Brasil, no âmbito das atividades de ensino, pesquisa e extensão desse Projeto.

40. Logo, por essa imposição legal, não poderá ser exigida, em qualquer outra norma infraconstitucional, a revalidação do diploma do médico intercambista.

41. O § 2º desse mesmo artigo prevê a obrigatoriedade dos Conselhos Regionais de Medicina expedirem registro provisório para os médicos intercambistas .

42. De acordo com o § 3º do art. 10 da Medida Provisória nº 621, de 2013, é condição necessária e suficiente para a expedição de registro provisório pelos Conselhos Regionais de Medicina a declaração de participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos para o Brasil fornecida pela coordenação do programa.

43. Verifica-se que o legislador utilizou a expressão “suficiente” como forma de afastar qualquer outra exigência para a expedição de registro provisório pelos citados Conselhos.

44. Ao se interpretar essa regra prevista na Medida Provisória nº 621, de 2013, que tem força de lei , chega-se à conclusão de que é obrigatória a expedição de registro provisório quando atendida a condição nela imposta.

45. A especificidade dessa norma afastou a incidência do art. 99 da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980, e do art. 17 da Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957.

46. Sendo assim, o CFM e os Conselhos Regionais de Medicina não poderão exigir, para a expedição de registro provisório, quaisquer outros documentos que não estejam elencados na Medida Provisória nº 621, de 2013, no Decreto nº 8.040, de 2013 e na Portaria Interministerial MS/MEC nº 1.369, de 2013.

47. Ainda, tendo em vista a natureza cogente da regra estatuída no §4º do art. 10 da Medida Provisória nº 612, de 2013, o Conselho Regional de Medicina deverá expedir o registro provisório no prazo de quinze dias, contado da apresentação do requerimento pela coordenação do programa de aperfeiçoamento. Dessa forma, o citado dispositivo legal não dá margem à discricionariedade por parte do mencionado Conselho para a expedição de registro provisório, observadas as normas específicas que disciplinam o Projeto Mais Médicos para o Brasil.

48. Os instrumentos normativos, citados no item 46 deste Parecer, são normas especificas que disciplinam o Programa Mais Médicos. Por conseguinte, não é juridicamente possível, sob o aspecto da legalidade, que normas internas editadas pelo CFM, anteriores ou posteriores à Medida Provisória nº 621, de 2013, estabeleçam outras exigências que não estejam previstas nos normativos próprios que regulamentam o citado Programa.

49. Não se pode esquecer que os Conselhos Federal e Regionais de Medicina são entidades de natureza autárquica, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira (art. 1º da Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957). Esses Conselhos, por serem entidades fiscalizadoras do exercício profissional, exercem funções tipicamente públicas, delegadas pelo Poder Público, regidas pelas regras de Direito Público.

50. Nesse sentido, essas entidades autárquicas estão submetidas aos princípios que regem a administração pública, em especial, o princípio da legalidade (art. 37 da CF).

51. Logo, não prospera o entendimento do CFM contido no Despacho SJ 355/2013, em anexo, que orientou os Conselhos Regionais de Medicina a aplicar, de forma supletiva, os termos e exigências da Resolução CFM nº 1.832, de 2008.

52. Ao se analisar o fundamento legal da Resolução CFM nº 1.832, de 2008, constata-se que ele foi devidamente afastado pela Medida Provisória nº 621, de 2013.

 

53. Ademais, a mencionada Resolução trata de matéria distinta daquela disciplinada no Programa Mais Médicos. Portanto, os médicos intercambistas não estão submetidos às regras nela previstas.

54. A Resolução CFM nº 1.832, de 2008, disciplina a atuação de brasileiros e estrangeiros formados no exterior que venham ao Brasil na condição de estudante (art. 5º ). Essa Resolução não contempla a peculiar situação dos médicos intercambistas do Projeto Mais Médicos.

55. Dessa forma, os Conselhos Regionais de Medicina não poderão aplicar supletivamente a Resolução CFM nº 1.832, de 2008.

56. Pelo exposto, conclui-se que:

a) a responsabilidade solidária não se presume, deve decorrer de texto expresso de lei;

b) por falta de previsão legal expressa, os médicos em cargos de gestão pública ou de supervisão e tutoria de ensino não são corresponsáveis pelos atos praticados no exercício da medicina pelo médico participante do Projeto Mais Médicos;

c) o CFM não pode estabelecer hipótese de responsabilidade solidária além das previstas em lei;

d) cada médico participante desse Projeto responderá por suas ações ou omissões que caracterizem atos ilícitos, haja vista que a sua responsabilidade é pessoal e subjetiva;

e) a Medida Provisória nº 621, de 2013, e o Decreto nº 8.040, de 8 de julho de 2013, estabelecem normas específicas que disciplinam o Projeto Mais Médicos para o Brasil, afastando, assim, as normas gerais estatuídas, principalmente, na Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, e no Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958;

f) o CFM e os Conselhos Regionais de Medicina não poderão exigir, para a expedição de registro provisório, quaisquer outros documentos que não estejam elencados na Medida Provisória nº 621, de 2013, no Decreto nº 8.040, de 2013 e na Portaria Interministerial MS/MEC nº 1.369, de 2013;

g) ao se interpretar a regra prevista no § 3º do art. 10 da Medida Provisória nº 621, de 2013, que tem força de lei, chega-se à conclusão de que é obrigatória a expedição de registro provisório pelos Conselhos Regionais de Medicina quando atendida a condição nela imposta; e

 

h) o fundamento legal da Resolução CFM nº 1.832, de 2008, foi devidamente afastado pela Medida Provisória nº 621, de 2013, e pelo Decreto nº 8.040, de 2013. Portanto, os médicos intercambistas não estão submetidos às regras nela previstas.

À consideração superior.

Brasília, 10 de setembro de 2013.

SÉRGIO EDUARDO DE FREITAS TAPETY

Advogado da União

Diretor do DECOR/CGU/AGU