CI n.17 PT 2.866/11 – Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta

PORTARIA N. 2.866, DE 2 DE DEZEMBRO DE 2011

Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF).
O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso da atribuição que lhe confere o inciso II do parágrafo único do art. 87 da Constituição, e
Considerando os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente a equidade, a integralidade e a transversalidade, e o dever de atendimento das necessidades e demandas em saúde das populações do campo e da floresta; Considerando o Decreto no- 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamenta a Lei no- 8.080, de
19 de setembro e 1990, e dispõe sobre a organização do SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, especialmente o disposto no art. 13 que assegura ao usuário o acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde do SUS;
Considerando a Portaria no- 2.460/GM/MS, de 12 de dezembro de 2005, que instituiu o Grupo da Terra no Ministério da Saúde, com o objetivo de elaborar a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em 1o- de agosto de 2008;
Considerando a diretriz do Governo Federal de reduzir as iniquidades por meio da execução de políticas de inclusão social; e
Considerando a natureza dos processos de saúde e doença e sua determinação social, resolve:
Art. 1o- Esta Portaria institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF), com o objetivo de promover a saúde das populações do campo e da floresta por meio de ações e iniciativas que reconheçam as especificidades de gênero, geração, raça/cor, etnia e orientação sexual, visando ao acesso aos serviços de saúde, à redução de riscos e agravos à saúde decorrente dos processos de trabalho e das tecnologias agrícolas e à melhoria dos indicadores de saúde e da qualidade de vida.
Art. 2o- Para os fins desta Portaria, considera-se:
I – agricultura camponesa: aquela que considera as diferentes identidades socioculturais das diversas comunidades, bem como os saberes tradicionais, a partir da sua relação com a natureza, nos territórios que habitam e usam, visando à produção para o autosustento e a comercialização de excedentes;
II – agricultura familiar: aquela que atende aos seguintes requisitos:
a) não deter, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais;
b) utilizar predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento;
c) ter renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento;
d) dirigir seu estabelecimento ou empreendimento com sua família, sendo que incluem-se nesta categoria silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores que preencham os requisitos previstos nos itens “b”, “c” e “d” deste inciso;
III – assalariados e assalariadas rurais: trabalhadores e trabalhadoras com vínculo empregatício na agropecuária, em regime de trabalho permanente, safrista ou temporário, com ou sem Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada, considerando-se que residem majoritariamente nas periferias das cidades pequenas e médias, sendo que parcela considerável desses trabalhadores migra entre as cidades e mesmo entre Estados, de acordo com a sazonalidade das culturas;
IV – camponeses e camponesas: aqueles e aquelas que, a partir de seus saberes e relação com a natureza, nos territórios que habitam e usam, visam à produção para o autosustento e a comercialização de excedentes;
V – descentralização: processo de autonomia das esferas de gestão estaduais, distrital e municipais, com redefinição dos papéis e responsabilidades em sua relação com a esfera federal;
VI – direitos reprodutivos: direitos básicos de todo casal e indivíduo de ter informação e meios de decidir livre e responsavelmente sobre a oportunidade e as condições de ter ou não filhos;
VII – direitos sexuais: direitos de cada pessoa desfrutar de uma vida sexual com prazer e livre de discriminação;
VIII – diversidade: princípio que respeita as diferenças legitimadas por fundamentos éticos gerados na convivência democrática dos sujeitos e grupos sociais. A biodiversidade está associada à sociodiversidade e à diversidade cultural;
IX – equidade: promoção do direito à igualdade como princípio da justiça redistributiva e implica reconhecer necessidades especiais e dar-lhes tratamentos diferenciados no sentido da inclusão e do acesso individual e coletivo;
X – extrativismo: todas as atividades de coleta de produtos naturais, sejam animais, vegetais ou minerais;
XI – extrativistas: pessoas e comunidades, com suas especificidades culturais, cuja produção de riquezas para o seu desenvolvimento tem por base a coleta de produtos de fontes naturais, como as matas, capoeiras, rios, igarapés, lagos, várzeas, manguezais, igapós, praias oceânicas e alto-mar, dentre outros;
XII – florestania: sentimento de pertencer à floresta e ser responsável pela sua conservação; conjunto de valores éticos, conceitos e comportamentos apreendidos na convivência com a floresta; direitos dos seres vivos habitantes da floresta, direitos da floresta compreendida como um ser vivo; noção equivalente à de cidadania, porém aplicada às populações da floresta;
XIII – integralidade: princípio fundamental do SUS que considera os sujeitos em sua indivisibilidade biopsicossocial e as comunidades humanas em sua relação com o ambiente, garantindo as ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação e o acesso a
todos os níveis de complexidade do sistema de saúde;
XIV – intersetorialidade/transversalidade: abordagem de promoção da saúde, com base na articulação entre as políticas públicas e as práticas de gestão dos diversos setores do Estado, compartilhando ações e orçamento;
XV – parceria: articulação de redes de solidariedade entre atores governamentais e não governamentais para integração e desenvolvimento de políticas públicas promotoras de equidade;
XVI – populações do campo e da floresta: povos e comunidades que têm seus modos de vida, produção e reprodução social relacionados predominantemente com o campo, a floresta, os ambientes aquáticos, a agropecuária e o extrativismo, como: camponeses; agricultores familiares; trabalhadores rurais assalariados e temporários que residam ou não no campo; trabalhadores rurais assentados e acampados; comunidades de quilombos; populações que habitamou usam reservas extrativistas; populações ribeirinhas; populações atingidas por barragens; outras comunidades tradicionais; dentre outros;
XVII – povos e comunidades tradicionais: grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tradicionais, possuem formas próprias de organização social e ocupam e utilizam territórios e recursos naturais como condição para sua produção e reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos e inovações práticas gerados e transmitidos pela tradição;
XVIII – regiões de saúde: espaço geográfico contínuo constituído por agrupamentos de Municípios limítrofes, delimitado a partir de identidades culturais, econômicas e sociais e de redes de comunicação e infraestrutura de transportes compartilhados, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução de ações e serviços de saúde;
XIX – regionalização: princípio organizativo do SUS que garante acesso, resolutividade e qualidade às ações e serviços de saúde, cuja complexidade e contingente populacional transcenda a escala local/municipal, orientando-se pelos modos de territorialização das populações;
XX – reserva extrativista: unidade de conservação de uso sustentável, habitada por populações que utilizam os recursos naturais como meios de produção e renda familiar em manejo;
XXI – sustentabilidade: organização da sociedade e manejo dos recursos estratégicos, com garantia da continuidade e diversidade da vida, articulando as dimensões ambientais, econômicas, sociais, políticas e culturais;
XXII – sustentabilidade econômica: capacidade de geração de riqueza superior às necessidades;
XXIII – sustentabilidade social: forma de organização social caracterizada pela participação equânime na produção e distribuição da riqueza, em suas dimensões econômica, cultural, entre outras;
XXIV – sustentabilidade política: condição das instituições e organizações políticas, baseada no seu fortalecimento e funcionamento democrático;
XXV – sustentabilidade cultural: adequação dos processos sociopolíticos e econômicos aos costumes, valores e linguagem das comunidades;
XXVI – sustentabilidade ambiental: modo de aproveitamento dos bens naturais e serviços com geração de benefícios sociais e econômicos, sem comprometer a conservação dos ecossistemas para as futuras gerações;
XXVII – território: espaço que possui tecido social, trama complexa de relações com raízes históricas e culturais, configurações políticas e identidades, cujos sujeitos sociais podem protagonizar um compromisso para o desenvolvimento local sustentável;
XXVIII – trabalho escravo: exploração e apropriação do trabalho humano pela força e privação da liberdade;
XXIX – universalidade: princípio que orienta as políticas públicas dos governos para a garantia do acesso aos serviços por elas prestados a todos, sem distinção; e
XXX – violência no campo e na floresta: conflitos de interesses que geram, de forma sutil ou explícita, agravos, lesões e privação da vida, da liberdade, da cultura, do acesso à terra e aos direitos civis, políticos, sociais e ambientais.
Art. 3o- A PNSIPCF tem os seguintes objetivos específicos:
I – garantir o acesso aos serviços de saúde com resolutividade, qualidade e humanização, incluindo as ações de atenção, as especializadas de média e alta complexidade e as de urgência e de emergência, de acordo com as necessidades e demandas apontadas pelo perfil epidemiológico da população atendida;
II – contribuir para a redução das vulnerabilidades em saúde das populações do campo e da floresta, desenvolvendo ações integrais voltadas para a saúde do idoso, da mulher, da pessoa com deficiência, da criança e do adolescente, do homem e do trabalhador, considerando a saúde sexual e reprodutiva, bem como a violência sexual e doméstica;
III – reduzir os acidentes e agravos relacionados aos processos de trabalho no campo e na floresta, particularmente o adoecimento decorrente do uso de agrotóxicos e mercúrio, o advindo do risco ergonômico do trabalho no campo e na floresta e da exposição contínua aos raios ultravioleta;
IV – contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações do campo e da floresta, incluindo articulações intersetoriais para promover a saúde, envolvendo ações de saneamento e meio ambiente, especialmente para a redução de riscos sobre a saúde humana;
V – reconhecer e valorizar os saberes e as práticas tradicionais de saúde das populações do campo e da floresta, respeitando suas especificidades;
VI – promover planejamentos participativos capazes de identificar as demandas de saúde das populações do campo e da floresta e definir metas, estratégias e ações específicas para sua atenção;
VII – incluir no processo de educação permanente dos trabalhadores de saúde as temáticas e os conteúdos relacionados às necessidades, demandas e especificidades das populações do campo e da floresta, considerando a interculturalidade na atenção aos povos e comunidades tradicionais;
VIII – apoiar processos de educação e informação das populações do campo e da floresta sobre o direito à saúde;
IX – apoiar a expansão da participação das representações dessas populações nos Conselhos de Saúde estaduais, distrital e municipais e em outros espaços de gestão participativa;
X – promover mecanismos de informação e comunicação, de acordo com a diversidade e as especificidades socioculturais;
XI – incentivar a pesquisa e a produção de conhecimento sobre os riscos, a qualidade de vida e a saúde das populações do campo e da floresta, respeitando as especificidades de geração, raça/ cor, gênero, etnia e orientação sexual; e
XII – promover o fortalecimento e a ampliação do sistema público de vigilância em saúde, do monitoramento e da avaliação tecnológica sobre os agravos à saúde decorrentes do uso de agrotóxicos e transgênicos.
Art. 4o- Na elaboração dos planos, programas, projetos e ações de saúde, serão observados os seguintes princípios e diretrizes:
I – saúde como direito universal e social;
II – inclusão social, com garantia do acesso às ações e serviços do SUS, da promoção da integralidade da saúde e da atenção às especificidades de geração, raça/cor, gênero, etnia e orientação sexual das populações do campo e da floresta;
III – transversalidade como estratégia política e a intersetorialidade como prática de gestão norteadoras da execução das ações e serviços de saúde voltadas às populações do campo e da floresta;
IV – formação e educação permanente em saúde, considerando as necessidades e demandas das populações do campo e da floresta, com valorização da educação em saúde, articulada com a educação fundamental e técnica;
V – valorização de práticas e conhecimentos tradicionais, com a promoção do reconhecimento da dimensão subjetiva, coletiva e social dessas práticas e a produção e reprodução de saberes das populações tradicionais;
VI – promoção de ambientes saudáveis, contribuindo para a defesa da biodiversidade e do respeito ao território na perspectiva da sustentabilidade ambiental;
VII – apoio à produção sustentável e solidária, com reconhecimento da agricultura familiar camponesa e do extrativismo, considerando todos os sujeitos do campo e da floresta;
VIII – participação social com estímulo e qualificação da participação e intervenção dos sujeitos do campo e da floresta nas instâncias de controle social em saúde;
IX – informação e comunicação em saúde considerando a diversidade cultural do campo e da floresta para a produção de ferramentas de comunicação; e
X – produção de conhecimentos científicos e tecnológicos como aporte à implementação da PNSIPCF.
Art. 5o- Compete ao Ministério da Saúde:
I – garantir a implementação da PNSIPCF;
I – promover a inclusão no Plano Nacional de Saúde das metas e prioridades para a organização das ações de saúde para as populações do campo e da floresta;
III – apoiar a implementação da PNSIPCF nos Estados, Distrito
Federal e Municípios;
IV – incentivar o desenvolvimento das ações de educação permanente para os trabalhadores de saúde, voltadas para as especificidades de saúde das populações do campo e da floresta;
V – incentivar e apoiar ações de educação em saúde para os usuários e movimentos sociais, voltadas para as especificidades de saúde das populações do campo e da floresta, com base em perspectivas educacionais críticas e participativas no direito à saúde;
VI – prestar apoio e cooperação técnica no desenvolvimento de ações da PNSIPCF;
VII – fortalecer a intersetorialidade, mediante articulação com órgãos e entidades governamentais e não-governamentais, para  estabelecimento de metas e prioridades referentes às ações transversais prioritárias para a saúde das populações do campo e da floresta, com especial articulação com os Ministérios do Desenvolvimento Agrário, da Defesa, do Trabalho e Emprego, da Previdência Social, do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
da Educação e da Pesca e Aquicultura, com as Secretarias Especiais de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, dentre outros;
VIII – consolidar, analisar e divulgar os dados estratificados sobre essas populações, considerando os aspectos de gênero, geração, raça/cor, etnia e orientação sexual, e inserir informações em saúde nos subsistemas sob responsabilidade do Ministério da Saúde;
IX – estabelecer instrumentos e indicadores para acompanhamento, monitoramento e avaliação da PNSIPCF; e
X – fortalecer parcerias com organismos nacionais, internacionais, governamentais e não governamentais e sociedade civil organizada para o fortalecimento das ações de saúde para as populações do campo e da floresta.
Art. 6o- Compete aos Estados:
I – promover a implementação da PNSIPCF;
II – promover a inclusão da PNSIPCF no Plano Estadual de Saúde;
III – incentivar a criação de espaços (comitês, áreas técnicas, grupo de trabalho, entre outros) de promoção da equidade para implementação da PNSIPCF de forma participativa;
IV – produzir dados estratificados sobre as populações do campo e da floresta e manter atualizados os sistemas nacionais de informação em saúde;
V – estabelecer instrumentos e indicadores para o acompanhamento, monitoramento e avaliação da PNSIPCF; VI – desenvolver e apoiar ações de educação permanente para os trabalhadores de saúde, voltadas para as especificidades de saúde dessas populações;
VII – desenvolver e apoiar ações de educação em saúde para os usuários e movimentos sociais, voltadas para as especificidades de saúde dessas populações, com base em perspectivas educacionais críticas e no direito à saúde;
VIII – prestar apoio e cooperação técnica aos Municípios; e
IX – viabilizar parcerias no setor público e privado para fortalecer as ações de saúde para essas populações.
Art. 7o- Compete aos Municípios:
I – promover a implementação da PNSIPCF;
II – promover a inclusão da PNSIPCF no Plano Municipal de
Saúde;
III – promover a criação de espaços (comitês, áreas técnicas, grupo de trabalho, entre outros) de promoção da equidade para implementação da PNSIPCF de forma participativa;
IV – produzir dados estratificados sobre as populações do campo e da floresta e manter atualizados os sistemas nacionais de informação em saúde;
V – estabelecer instrumentos e indicadores para o acompanhamento e avaliação da PNSIPCF;
VI – viabilizar parcerias no setor público e privado com o objetivo de fortalecer as ações de saúde para essas populações;
VII – desenvolver ações de educação permanente para os trabalhadores de saúde, voltadas para as especificidades de saúde dessas populações; e
VIII – promover ações de educação em saúde para os usuários e movimentos sociais, voltadas para as especificidades de saúde dessas populações, com base em perspectivas educacionais críticas e no direito à saúde.
Art. 8o- À Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde (SGEP/MS) compete articular, no âmbito do Ministério da Saúde e junto aos demais órgãos e entidades governamentais, a elaboração de instrumentos com orientações específicas, que se fizerem necessários à implementação da PNSIPCF.
Art. 9o- Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

ALEXANDRE ROCHA SANTOS PADILHA