RESOLUÇÃO Nº 709, DE 16 DE MARÇO DE 2023
Dispõe sobre diretrizes e propostas de ação relativas à vigilância, promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da tuberculose no Sistema Único de Saúde (SUS)
O Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), em sua Trecentésima Quadragésima Reunião Ordinária, realizada nos dias 15 e 16 de março de 2023, e no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006, e cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e
Considerando que a tuberculose é uma doença de forte determinação social, na qual a pobreza, a insegurança alimentar, a falta de moradia e as barreiras para acesso à saúde são aspectos que aumentam o risco de adoecimento e interrupção do tratamento, e dada as evidências que apontam 48% de pessoas com tuberculose e 78% de pessoas com tuberculose drogarresistente sofrendo custos catastróficos em decorrência da doença;
Considerando que a saúde é um direito social garantido constitucionalmente a todo cidadão, e que as ações de vigilância, promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da tuberculose no Sistema Único de Saúde (SUS) devem ser realizadas de acordo com os princípios de integralidade, equidade e universalidade e de forma coordenada entre as três esferas de gestão por meio da descentralização, regionalização e hierarquização;
Considerando que o Brasil é signatário dos compromissos para eliminação da tuberculose estabelecidos pela Declaração da Reunião de Alto Nível pelo Fim da Tuberculose da Organização das Nações Unidas (ONU), pela Estratégia Global pelo Fim da Tuberculose da Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), sendo que o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose define as metas nacionais para redução da incidência e do número de mortes assim como as estratégias para o alcance desses objetivos;
Considerando que o Brasil é um país de alta carga para tuberculose e coinfecção TB-HIV, prioritário para a OMS no âmbito global e na região das Américas, e como a pandemia de Covid-19 impacta a taxa de detecção da doença (de 87% em 2019 para 76% em 2021) e da cura entre casos novos com confirmação laboratorial (de 73,8% em 2019 para 66,5% em 2021) – assim como o aumento dos óbitos (de 4.531 em 2019 para 5.072 em 2021) e das estimativas de casos de tuberculose drogarresistente – evidenciando os efeitos da crise sanitária e social após o início da pandemia de Covid-19 e a urgência de medidas imediatas e políticas públicas para sua superação;
Considerando que a tuberculose é a primeira causa de morte entre pessoas vivendo com HIV e Aids e que os dados do Ministério da Saúde apontam 48,2% das pessoas com coinfecção TB-HIV tendo o diagnóstico do HIV realizado em decorrência da confirmação do caso de tuberculose no período entre 2011 a 2020, e 35,8% das pessoas com coinfecção TB-HIV sem o início oportuno da terapia antirretroviral em 2020 – indicando falhas na assistência e no enfrentamento da coinfecção TB-HIV;
Considerando que pessoas em situação de vulnerabilidade ainda apresentam maior risco de adoecimento por tuberculose, e que a intersecção de aspectos associados à vulnerabilização – incluindo questões de etnia/raça/cor, gênero, orientação sexual, classe social, dentre outros – agrava as barreiras de acesso aos cuidados em saúde impostos à essas pessoas;
Considerando a queda na cobertura da vacina BCG nos últimos anos e os episódios de desabastecimento no imunizante ocasionados por questões relacionadas à falta de sustentabilidade e investimentos no complexo industrial e tecnológico nacional em saúde, e que os dados do Ministério da Saúde apontam maior aumento relativo no risco de adoecimento de tuberculose na faixa etária de 0 a 14 anos em 2022 quando comparado à 2020;
Considerando que o tratamento da infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (tratamento preventivo da tuberculose) é destacado pela agenda internacional como uma estratégia essencial capaz de acelerar a eliminação da doença, e sendo que a intensificação de ações de prevenção é um objetivo do Plano Nacional pelo Fim da tuberculose;
Considerando que dados do Ministério da Saúde apontam cerca de 40,7% de pessoas diagnosticadas com tuberculose em serviços do nível secundário ou terciário em 2020; sendo que os serviços da Atenção Primária à Saúde devem ser porta de entrada preferencial na rede de atenção e que ações-chave para tuberculose como a busca ativa de pessoas com sintomas de tuberculose, o diagnóstico e tratamento da tuberculose sensível e a avaliação de contatos são atribuições esperadas desse nível de atenção;
Considerando os benefícios que novas tecnologias para prevenção, diagnóstico e tratamento da tuberculose podem proporcionar às pessoas e comunidades afetadas pela doença, e dado o compromisso nacional e internacional de intensificar e investir em pesquisa e inovação para o enfrentamento da tuberculose;
Considerando que o financiamento das ações em tuberculose é essencial para possibilitar que as estratégias nacionais e locais sejam efetivamente operacionalizadas no SUS, e sendo que os dados reportados à OMS mostram queda no orçamento nacional aplicado no enfrentamento à doença na última década;
Considerando a importância da participação ativa da sociedade civil e das instâncias de controle social, assim como do engajamento multissetorial (incluindo a academia, o parlamento e outros setores estratégicos no enfrentamento dos determinantes sociais da tuberculose) para fortalecimento das estruturas democráticas envolvidas na implementação, qualificação e monitoramento da resposta nacional à tuberculose; e
Considerando a necessidade de atualização da Resolução CNS º 444, de 06 de julho de 2011, que versa sobre ações relativas à tuberculose no Brasil, resolve:
Estabelecer as diretrizes e propostas de ação abaixo enumeradas.
Art. 1º Garantir de investimento público para as ações de enfrentamento da tuberculose (TB), de forma que tanto o orçamento centralizado do Ministério da Saúde quanto os recursos descentralizados fundo a fundo sejam ampliados visando favorecer a implementação das estratégias do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose pelas três esferas de gestão.
Art. 2º Estabelecer Comitê Interministerial com participação da sociedade civil de modo a efetivar e monitorar agendas colaborativas intersetoriais e/ou interministeriais para o enfrentamento dos determinantes sociais da tuberculose nas áreas da assistência social, justiça e segurança pública, trabalho e renda, direitos humanos, igualdade racial, povos originários, educação, cidadania, e outras áreas de interesse.
Art. 3º Estabelecer, via Ministério da Saúde, indicador de pagamento por desempenho relacionado ao controle da tuberculose na Atenção Primária à Saúde (APS) e promover estratégias, em articulação com os demais entes federados, para fortalecer as atribuições desses serviços na prevenção, vigilância, diagnóstico e tratamento da doença de acordo com os princípios da APS.
Art. 4º Consolidar e fortalecer a linha de cuidado da tuberculose, incluindo a organização da referência e contrarreferência e dos fluxos entre serviços assistenciais, laboratoriais e de apoio, considerando as especificidades da assistência à pessoa com tuberculose sensível e tuberculose drogarresistente (monoresistente, multidrogaresistente, extensivamente resistente), assim como as necessidades relacionadas às formas pulmonares e extrapulmonares, a fim de garantir o acesso e continuidade do cuidado entre diferentes serviços e níveis de atenção.
Art. 5º Analisar e incluir diretrizes para a política nacional de inclusão das ações de diagnóstico no processo de atenção à saúde.
Art. 6º Reestruturar, ampliar e fortalecer a rede laboratorial para tuberculose, incluindo a expansão da rede de teste rápido molecular em tuberculose no país e a incorporação de novas tecnologias para diagnóstico (incluindo métodos point-of-care).
Art. 7º Restabelecer as coberturas vacinais de BCG e as campanhas de vacinação e viabilizar a produção nacional do imunizante. No que se refere ao enfrentamento da tuberculose em crianças, promover estratégias para qualificar a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação da doença no âmbito da saúde infantil.
Art. 8º Fortalecer as ações de rastreamento de pessoas com Infecção Latente da Tuberculose (ILTB) e avaliação de contatos visando ampliar o acesso ao diagnóstico e tratamento da ILTB (tratamento preventivo), com estratégias específicas para pessoas com maior risco de adoecimento e/ou em situação de vulnerabilidade: com destaque para crianças e adultos contatos de pessoas com tuberculose, pessoas vivendo com HIV e Aids e trabalhadores e trabalhadoras da saúde.
Art. 9º Promover estratégias em relação à saúde ocupacional, que assegurem a realização da prova tuberculínica nos exames admissionais/periódicos/demissionais, principalmente em ambientes laborais que apontem vulnerabilidade à exposição da tuberculose.
Art. 10 Desenvolver estratégias de adesão pautadas na integralidade do cuidado, no respeito a autodeterminação do paciente e na atuação da equipe multidisciplinar e intersetorial, considerando as múltiplas especificidades das pessoas com tuberculose e as tecnologias disponíveis para promoção da adesão ao tratamento – incluindo estratégias para ampliação da proteção social e enfrentamento do estigma e discriminação.
Art. 11. Estabelecer diretrizes para o controle da infecção/biossegurança nos ambientes de saúde que atendem pessoas com tuberculose, contemplando medidas administrativas/gerenciais, engenharia/de controle ambiental, e de proteção individual;
Art. 12. Desenvolver ações que fortaleçam a vigilância do óbito com menção à tuberculose, de forma a identificar condições individuais e de acesso aos serviços de saúde relacionados a esse desfecho desfavorável e promover a correção de lacunas existentes no cuidado às pessoas com TB.
Art. 13. Desenvolver ações que considerem as especificidades das comunidades empobrecidas, população negra, comunidades indígenas, pessoas vivendo com HIV e Aids, pessoas em situação de rua, pessoas privadas de liberdade, imigrantes/refugiados, e pessoas em uso problemático de álcool e outras drogas com vistas à ampliação do acesso à prevenção, diagnóstico e tratamento da tuberculose junto a essas populações, incluindo o estabelecimento de articulação intra e intersetorial e a realização de estratégias de comunicação e educação em saúde voltadas a esses públicos.
Art. 14. Intensificar as ações colaborativas TB-HIV, visando a implementação do cuidado integral (promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação) e a incorporação de novas tecnologias para redução da mortalidade e do adoecimento de tuberculose entre as pessoas vivendo com HIV e Aids.
Art. 15. Regulamentar e normatizar a política nacional de enfrentamento à tuberculose, os programas de controle da tuberculose, e as referências secundárias e terciárias de atenção à tuberculose, por meio de atos oficiais do Ministério da Saúde.
Art. 16. Fomentar, através do Ministério da Saúde, espaços colegiados com participação da sociedade civil e junto às instâncias de controle social para revisão do cumprimento dos compromissos internacionais e nacionais assim como de metas pactuadas de forma tripartite no âmbito do SUS, e fortalecer a transparência das ações realizadas e do progresso alcançado por meio da divulgação de relatórios públicos à sociedade.
Art. 17. Assegurar o financiamento, por meio do Ministério da Saúde, com vistas a viabilizar ações de base comunitária, advocacy, comunicação, educação em saúde e mobilização social no enfrentamento da tuberculose realizadas pela sociedade civil.
Art. 18. Promover, com a coordenação do Ministério da Saúde, a incorporação de tecnologias, em tempo oportuno, de acordo com diretrizes internacionais e as evidências técnico-científicas disponíveis, garantindo revisões periódicas das recomendações nacionais e associadas ao desenvolvimento de estratégias que confiram acesso da população às tecnologias, especialmente as em situação de vulnerabilidade.
Art. 19. Garantir que a tuberculose seja priorizada nas ações governamentais de fortalecimento do complexo econômico, industrial e tecnológico da saúde.
Art. 20. Promover a política de pesquisa e inovação em tuberculose no país, garantindo financiamento e fomentando uma agenda integrada entre serviços, instituições de pesquisa e sociedade civil para responder aos desafios para enfrentamento da tuberculose, com ênfase nas populações em situação de vulnerabilidade.
Art. 21. Contribuir com a ampliação do diálogo com o legislativo para qualificação das políticas públicas relacionadas ao enfrentamento da tuberculose e promover ações integradas com Frentes Parlamentares.
Art. 22. Implementar medidas para o aperfeiçoamento dos sistemas de vigilância e informação em saúde, incluindo o estabelecimento de um sistema em tempo real para notificação e acompanhamento da tuberculose, bem como garantir o aperfeiçoamento da disponibilização e atualização de painéis públicos de dados e informações-chave sobre a doença.
Art. 23. Garantir a produção de estratégias comunicacionais e campanhas publicitárias de prevenção, educação e sensibilização sobre tuberculose com caráter permanente, contemplando a participação da sociedade civil, em todas as fases de sua produção.
Art. 24. Promover, o acompanhamento anual da execução do Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose pelo Conselho Nacional de Saúde com participação do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), a partir de dados que deverão ser informados pelo Ministério da Saúde, e que haja posterior divulgação pública dos resultados desse monitoramento.
Art. 25. Fica revogada a Resolução CNS º 444, de 06 de julho de 2011, que versa sobre ações relativas à tuberculose no Brasil.
FERNANDO ZASSO PIGATTO
Presidente do Conselho Nacional de Saúde
Homologo a Resolução CNS nº 709, de 16 de março de 2023, nos termos da Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990.
NÍSIA TRINDADE LIMA
Ministra de Estado da Saúde