ESPECIAL LEI COMPLEMENTAR 141/12 (EC 29) – Confira as principais notícias veiculadas hoje sobre o impacto da regulamentação

 

No último dia 16, a presidente da República Dilma Roussef sancionou a Lei Complementar n. 141, que regulamenta a Emenda Constitucional 29, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro passado. O texto define claramente o que deve ser considerado gasto em saúde e fixa os percentuais mínimos de investimento na área pela União, Estados e Municípios.

Confira abaixo as principais matérias veiculadas hoje (18), nos jornais Folha de S. Paulo, O Globo e Estado de S. Paulo, e entenda um pouco mais sobre a EC 29 e o impacto de sua regulamentação nos estados e municípios.

 

Editorial O Globo – Recursos estáveis para o SUS

Os esforços precisam estar concentrados nas melhorias de gestão

Sancionada segunda-feira pela presidente Dilma Rousseff, por lei complementar, a regulamentação da Emenda 29, balizadora das transferências da União, estados e municípios para o Sistema Único de Saúde (SUS), encerra um conflito político de 11 anos sobre o financiamento da saúde pública. Aprovada ainda no governo Fernando Henrique, a emenda necessitava desta regulamentação para que a repartição dos recursos do SUS entre a Federação ocorresse sem distorções. Já vigorava o reajuste da parcela da União pelo PIB nominal do ano anterior ao da lei orçamentária, assim como ficara estabelecido que aos estados caberiam transferir à Saúde no mínimo 12% da receita tributária e aos municípios, 15%. A longa demora para a aprovação desta lei complementar se deveu ao cabo de guerra travado entre grupos organizados, dentro e fora do Congresso, favoráveis à ampliação pura e simples da parcela do Orçamento destinada ao SUS, e os governos FH e Lula, preocupados com o risco de ser aproveitada a regulamentação para se aprovar um aumento dos repasses sem base na realidade fiscal do país. Com a não prorrogação da CPMF, em fins de 2007, a regulamentação da emenda foi vista como rampa de relançamento do imposto, sob o disfarce de “Contribuição Social para a Saúde, ou CSS”. Não deu certo, e ainda bem, devido às distorções causadas na economia como um todo por estas taxações lineares sobre operações financeiras. O Congresso continuou sensível à oposição da sociedade à CPMF, com este ou qualquer outro nome, e o projeto não prosperou. Para promulgar a regulamentação da emenda, Dilma fez alguns vetos, entre eles o do dispositivo que obrigava a União a obedecer as revisões periódicas do PIB, para efeito das transferências ao SUS. Como o Orçamento já é muito engessado, qualquer despesa adicional imprevista causa problemas de ordem fiscal. Justifica-se o veto. Em vez de apenas lamentar a derrota da proposta de mudança no cálculo da parcela da União para fixá-lo em 10% do PIB, mais que os 7% atuais — o que injetaria, de uma hora para outra, R$ 40 bilhões adicionais no SUS —, a “bancada da Saúde” deveria começar a se especializar na vigilância do cumprimento das regras da emenda já regulamentada. Agora, não será mais possível governador e prefeito contabilizarem como despesas com “Saúde” gastos na merenda escolar, restaurantes populares, saneamento básico e mesmo pensões e aposentadorias de funcionários do setor. Alguns desses governadores e prefeitos, por óbvio, apoiaram a volta da CPMF. Agora, precisam administrar melhor os recursos do SUS. Estabelecidos critérios razoáveis para definir essas despesas, o SUS já receberá algum volume a mais de recursos. Este ano, estão orçados R$ 80 bilhões para o sistema, um dos maiores índices isolados de gastos no Orçamento. Estabilizado o financiamento do SUS, todos os esforços, nos três níveis da administração pública, precisam ser canalizados para melhorias administrativas e de gestão desta enorme máquina burocrática. Há no Estado alguns bolsões de experiências positivas na adoção de métodos modernos de gerenciamento de hospitais e ambulatórios. Precisam ser disseminados.

 

O Globo –  Regulamentação da Emenda 29 garante mais R$ 3 bi de estados

União não aumentará o percentual de seus gastos, que continuará numa média de 6% a 7%

Cristiane Jungblut – BRASÍLIA – Os estados terão que cumprir imediatamente as novas regras sobre gastos em Saúde previstas na regulamentação da Emenda 29, que fixa os percentuais mínimos de recursos de União, estados e municípios no setor. Mas pelo menos quatro estados ainda terão dificuldades maiores para atingir o piso de 12% de suas receitas líquidas. O percentual já existe desde a promulgação da Emenda 29, em setembro de 2000, mas os estados vêm usando manobras fiscais para atingir a meta. Agora, não será mais permitida essa maquiagem, o que poderá incrementar em R$ 2 bilhões a R$ 3 bilhões os gastos dos estados com Saúde. Como os dados dos estados são mascarados com artifícios fiscais, há estimativas que preveem até R$ 5 bilhões a mais de gastos pelos estados. A União não aumentará o percentual de seus gastos, que continuará numa média de 6% a 7% de sua receita bruta. Parlamentares da bancada da Saúde e especialistas avaliam que, como a União não gastará mais, deve permanecer o problema do financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Dados da bancada parlamentar da Saúde e do Conselho Nacional de Secretários de Estado (de Saúde) indicam que a maioria dos estados já cumpre o mínimo de 12% ou está num patamar acima de 10,5%, mas citam Rio Grande do Sul e Minas Gerais como os que ainda enfrentam problemas. Numa tabela mais recente, Minas aparece em situação mais confortável, com o mínimo exigido. Rio Grande do Sul é o que gasta menos Até 2011, os dados ainda referentes a 2008 e 2009 indicavam que 13 dos 27 estados não cumpriam os 12%. O número teria caído para dez e estaria agora em cinco. Oficialmente, o Ministério da Saúde informou nesta terça-feira que o último dado consolidado é de 2008, quando só quatro teriam ficado abaixo dos 12%: Rio Grande do Sul (6,53%), Paraná (9,79%), Espírito Santo (10,24%) e Mato Grosso (11,24%). Dados mais recentes indicam que a situação desses quatros continua abaixo do limite. Os parlamentares da bancada da Saúde foram surpreendidos com o veto ao artigo que dava um prazo de quatro anos para os estados se adaptarem às novas regras – elas proíbem que gastos com merenda escolar, saneamento básico e pagamento de aposentadorias sejam computados como despesas em Saúde. O veto teria ocorrido por problemas técnicos e porque a fixação do prazo seria inócua, já que o texto original da Emenda 29 (de 2007) manteve o prazo até 2011. Coordenador da Frente Parlamentar de Saúde, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS) disse nesta terça-feira que os estados vêm melhorando seus desempenhos. Perondi criticou o veto ao artigo que garantia a correção do gasto da União sempre que houvesse uma revisão do PIB nominal usado para o cálculo. O piso nacional de Saúde é calculado com base no gasto do ano anterior mais a correção do PIB. – O governo não quer gastar mais em Saúde e acha que o dinheiro é suficiente. Nossos dados indicam que em 2009, dos dez que não cumpriam, oito já estavam acima de 10,5%, e que estados como Rio Grande do Sul e Minas Gerais têm problemas – disse. O secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretários de Estado de Saúde (Conass), Jurandi Frutuoso, disse que o órgão ainda está analisando todos os vetos, mas destacou que os estados vêm melhorando seu desempenho. – Os dados do Ciops (órgão do Ministério da Saúde que analisa os gastos) apontam quase para uma solução. A cada ano, os estados estão se aproximando de cumprir a meta – disse Frutuoso. Especialista no setor, Gilson Carvalho divulgou nesta terça-feira estudo considerando uma perda o veto referente ao PIB. No caso do prazo de quatro anos, ele analisou que foi uma decisão correta, porque o texto falava em 2011.

 

O Globo – Especialistas: ponto positivo foi definir gastos com a Saúde

Eles, porém, criticaram União e disseram que subfinanciamento no setor vai continuar

Carolina Benevides Sérgio Roxo – RIO e SÃO PAULO – A falta de uma exigência para que a União eleve os seus gastos com Saúde é, na avaliação de especialistas, o principal ponto negativo da lei sancionada na última segunda-feira pela presidente Dilma Rousseff e que regulamentou a Emenda 29. Eles dizem que o impedimento para que estados e municípios maquiem os gastos deve elevar a verba, mas esse dinheiro não será suficiente para resolver as carências do setor. – A expectativa de que se pudesse aumentar significativamente os recursos da Saúde, principalmente com contribuição da área federal, foi frustrada – afirmou o ex-ministro da Saúde Adib Jatene. Aloisio Tibiriçá, vice-presidente da Confederação Nacional de Medicina (CFM), também fala em “frustração”: – Foi uma frustração para todos que esperavam que o governo desse prioridade à Saúde pública. Quando faz um subfinanciamento do setor, você está fortalecendo a Saúde privada. Ao vetar o trecho da lei que previa que a verba federal para a Saúde fosse alterada sempre que houvesse uma revisão do PIB, Dilma contribuiu para que o gasto da União não suba nos próximos anos, disseram. – Com os vetos que a presidente colocou, nenhum outro recurso adicional foi trazido – afirmou Jatene. – Gastar com prevenção ou com tratamento é, na verdade, fazer um investimento. Isso evita que funcionários faltem ao trabalho e poupa gastos com aposentadorias precoces. Então, o veto da presidente mostra a visão truncada que o governo tem dessa área – disse Márcia Rosa de Araujo, presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj). Para o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze, o veto não surpreendeu: – Ao não aprovar os 10% da receita da União para o setor, o governo já reduzia significativamente um orçamento mais viável para melhorar a assistência no Brasil. Então, o veto da presidente só reafirmou a posição do governo – disse Darze. – A questão agora é: a DRU (Desvinculação da Receita da União) foi prorrogada até 2015. O governo continuará tirando recursos da Saúde para compor a DRU? Jatene avalia, porém, que Dilma não poderia ter sancionado esse instrumento da lei: – Se a presidente não vetasse, não teria de onde tirar recursos. As necessidades são enormes, mas a possibilidade de o Orçamento da União atender a essas necessidades é limitada. Responsável no passado pela implantação da CPMF, o ex-ministro não vê hoje como criar um novo tributo: – Depois da campanha que as entidades patronais fizeram contra a CPMF, ninguém pode falar em novo tributo no Brasil porque é palavrão. Presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski diz que a aprovação da Emenda 29 “não mudou nada no financiamento da Saúde”. – Só definiram o que são os gastos com a Saúde, mas não mudaram o percentual que a União, estados e municípios têm que investir. Ficou claro que a Saúde não é prioridade para o governo federal – disse Ziulkoski, lembrando que, em média, os municípios investem 23% do orçamento na Saúde: – A lei exige 15%, mas as cidades investem mais. Além disso, os municípios não costumam maquiar os gastos, a cidade que faz isso é exceção. Então, não haverá mais dinheiro por conta disso. Renato Azevedo Jr., presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), lembra que o ministro Alexandre Padilha havia declarado que a Saúde precisaria de mais R$ 45 bilhões para que o SUS cumprir o que pretende: – Nós não chegaríamos a esse valor nem com a União aplicando os 10%. Com o veto, o governo federal não dará um centavo a mais. O SUS continuará subfinanciado e com todos os problemas.

 

O Globo – Governo gaúcho não conseguirá aplicar 12% na Saúde este ano

Secretário pede compreensão da União e ignora veto ao prazo para se adequar à lei

Naira Hofmeister Thiago Herdy – PORTO ALEGRE e BELO HORIZONTE – O secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, Ciro Simoni, admitiu nesta terça-feira que, a partir das novas regras estabelecidas com a regulamentação da Emenda 29, o estado não terá condições este ano de destinar 12% de sua receita para o setor. O secretário disse contar com a compreensão da União e afirmou que a Emenda 29 prevê um período para que os estados se adequem: – O texto (da lei) prevê quatro anos de adequação para estados e municípios. Tendo sido sancionado agora, começa a valer a partir de 2012. Vai ser uma progressão gradual, não vamos passar de 6% para 12% em um ano – disse o secretário de Saúde, ignorando o veto da presidente Dilma Rousseff ao trecho que previa esse período para os estados se adequarem.

Gasto este ano deverá chegar a R$ 1,5 bilhão

Nos cálculos do governo do Rio Grande do Sul para investimento em Saúde estavam contabilizados valores repassados a rubricas agora proibidas, como pagamento de inativos e do plano de saúde estadual dos funcionários públicos. Em 2011, o governo gaúcho destinou à Saúde R$ 1,509 bilhão. Caso a regulamentação da Emenda 29 já estivesse em vigor, só R$ 1,25 bilhão poderiam ser considerados como despesas no setor, ou 6,5% das receitas. Para este ano, já considerando as novas regras, o Rio Grande do Sul prevê empenhar efetivamente R$ 1,5 bilhão, o que deverá elevar o percentual aplicado em Saúde para 7,5%. A determinação do governador Tarso Genro (PT), é aumentar os empenhos para atingir o mínimo constitucional. – O governo já estava adotando as medidas para cumprir os repasses de 12% da receita e vamos continuar nesse caminho – afirmou o governador. A Secretaria de Saúde de Minas Gerais estimou em cerca de R$ 350 milhões o impacto no orçamento da área em 2012 para cumprir o percentual de 12%. A Advocacia Geral do Estado (AGE) ainda estuda a legislação para dizer se os novos critérios valerão já este ano ou se poderão ser aplicados a partir de 2013. – Independentemente da emenda, o governo já havia assumido compromissos na área desde a campanha, havia necessidade de incremento. O governador prometia alcançar os 12% até 2013. Se a interpretação da AGE implicar no cumprimento imediato, vamos antecipar em um ano o que já estava compromissado com a sociedade – disse o secretário de Saúde de Minas, Antônio Jorge de Souza Marques.

 

O Globo – “O SUS é um consenso vazio”

(17/01/12)

Especialista em Saúde critica o financiamento e a gestão do setor Médica, professora e coordenadora do Laboratório de Economia Política da Saúde (LEPS) da UFRJ, a carioca Ligia Bahia, de 56 anos, é enfática: – Aprovar a Emenda 29 sem que a União tenha que dispor de mais recursos para a Saúde é uma tragédia. Para ela, o Sistema Único de Saúde (SUS) padece por conta do subfinanciamento e dos problemas de gestão. – Isso caracteriza o nosso subdesenvolvimento – diz Ligia, que vê o veto ao artigo que determinava a atualização automática dos recursos da Saúde quando houvesse revisão do PIB como “pão-durismo”.

Carolina Benevides – Ao sancionar a Lei Complementar 141, a presidente Dilma Rousseff fez 15 vetos. Como a senhora vê o veto ao trecho que determinava a atualização automática dos recursos da Saúde quando houvesse revisão do PIB?

LIGIA: Caracteriza o pão-durismo na Saúde e é o veto que mais afeta o setor. Se nem a variação do PIB vai ser levada em conta, o recado é: é isso para a Saúde e pronto. Fora que não procede a justificativa de que alterar o Orçamento poderia causar instabilidade. Um PIB de mais de R$1 trilhão, sendo que a Saúde recebe 3,5% do PIB… E o veto ao dispositivo que separava os valores a serem aplicados na Saúde em contas específicas?

LIGIA: Vejo como um preciosismo esse dispositivo. Já temos os fundos nacional, estaduais e municipais da Saúde, sendo que o Fundo Nacional é a principal rubrica da Saúde. E os fundos, criados pela Lei 8080, podem ser fiscalizados. Como a senhora viu a aprovação da Emenda 29 sem que houvesse aumento dos gastos da União com a Saúde?

LIGIA BAHIA: Aprovar a Emenda 29 sem que a União tenha que dispor de mais recursos para a Saúde é uma tragédia. Do jeito que aprovaram, a Saúde vai ter mais R$3 bilhões; se fossem os 10% da receita da União, o aporte seria de R$40 bilhões. Foi bom terem definido o que são gastos com Saúde, mas os R$3 bilhões a mais não terão grande impacto. Houve uma derrota de todos os que defendem o SUS, ainda que o governo veja a aprovação como uma grande vitória. Foi uma surpresa?

LIGIA: A gente podia esperar essa negociação de um partido conservador, mas não de partidos sociais democratas, que barraram os 10% dizendo que a crise mundial existe. Mas o PAC está aí. Então, por que cortar na Saúde? Os gastos públicos com Saúde no Brasil hoje são de R$127 bilhões/ano. Países da Europa, como Reino Unido e França, gastam R$679 bilhões/ano. A Saúde não é prioridade? LIGIA:Como priorizar a Saúde sem ser prioridade orçamentária de fato? Tivemos alternância democrática, mas os governos não priorizaram a Saúde. A discussão da criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS) prejudicou o debate sobre a Emenda 29?

LIGIA: A sociedade estava tão temerosa de um novo imposto, que o governo pode falar em vitória só por não ter aprovado uma nova contribuição. No entanto, o debate sobre a Emenda 29 foi apresentado de forma técnica quando, na verdade, o debate é sobre se a Saúde é prioridade ou não. Mais de 20 anos depois de ser criado, quais são os principais problemas do SUS?

LIGIA: O SUS tem problema de gestão e de financiamento. Isso caracteriza o nosso subdesenvolvimento, porque temos carência de recursos e desperdício. O senso comum da população é que o problema é de gestão. O problema de financiamento é mais abstrato. Quando o assunto é gestão, qual o principal problema?

LIGIA: É a gestão de recursos humanos, que é o recurso estratégico em qualquer sistema de saúde. Os cargos são ocupados por critérios políticos partidários, a qualidade do trabalho não é controlada, não sabemos que metas devem ser cumpridas, os profissionais são mal pagos e não são valorizados. Fora que corrupção também é problema de gestão. Quando se fala em novo imposto, a sociedade logo diz que vai para corrupção. Isso é prejudicial, mas tem um substrato real. E no financiamento?

LIGIA: Bem, investimos em Saúde menos que o Chile e a Argentina, e menos do que os países que têm a mesmas condições macroeconômicas e políticas que as nossas. Por conta disso, a gente não consegue que os indicadores de saúde tenham a mesma performance dos indicadores econômicos. Com todos esses problemas, como senhora vê o SUS?

LIGIA: É um consenso vazio. Todo mundo é a favor, contanto que não use. A população tem a ideia de que existem ilhas de excelência, mas também de que é uma grande desorganização. Isso reforça a ideia de que o problema é de gestão e não de financiamento. Se tem gente boa, por que não são os melhores sempre? A resposta é: porque não temos financiamento adequado. Mas essa batalha a gente perdeu.

 

Estado de S.Paulo – Saúde Impacto do aumento de verbas à saúde já preocupa governadores


MARCELO PORTELA , BELO HORIZONTE, ELDER OGLIARI / PORTO ALEGRE, EVANDRO FADEL / CURITIBA – O Estado de S.Paulo A sanção, com vetos, pela presidente Dilma Rousseff da lei complementar que fixa os recursos mínimos a serem investidos em saúde recebeu ontem duras críticas de parlamentares oposicionistas e já preocupa governadores. Durante um encontro com o governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), o senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou em Belo Horizonte que o governo federal “virou as costas” para a saúde. Aécio reclamou do veto da presidente aos dispositivos que previam gasto mínimo de 10% da receita da União e aumento do investimento federal caso haja revisão para cima do Produto Interno Bruto (PIB), ao qual os gastos são vinculados. Para o tucano, do jeito que foi sancionada, a lei complementar é “praticamente inócua” para a União. “O ônus recai quase que exclusivamente sobre Estados e municípios. Os Estados vêm se adequando. Fazendo historicamente esforços nessa direção. A União fez o contrário. Infelizmente não há esforço solidário do governo federal, que teria claramente margem para isso”, afirmou. No fim de seu segundo mandato, Aécio foi alvo de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual, que o acusou de improbidade administrativa. O MP apontou “fraude contábil” nas prestações de contas do governo mineiro referentes às despesas com saúde entre os anos de 2003 e 2008. O governo rebateu, alegando que houve uma interpretação errada da prestação de contas por parte da Promotoria. Novos cálculos. A sanção da lei vai obrigar o governo mineiro a readequar a previsão orçamentária para 2012. O Estado ainda não sabe de quanto será o impacto nas contas públicas, valor que, segundo Anastasia, ainda está sendo calculado. O governador, contudo, já sabe que terá que fazer mudanças, pois inclui na verba destinada ao setor, por exemplo, o pagamento de aposentados e gastos com saneamento básico, que, pela lei, não podem mais ser contabilizados. “Esse dispositivo é o cerne do projeto de lei”, disse. “Estamos analisando, refazendo os cálculos orçamentários.” O Rio Grande do Sul, governado pelo petista Tarso Genro, precisaria destinar R$ 945 milhões a mais por ano para atender a exigência da Emenda 29 que manda os Estados destinarem 12% de sua receita corrente líquida para a área da saúde. O Estado não dispõe desses recursos, mas, segundo o secretário do Planejamento, João Motta, vai se enquadrar na norma até 2014. Para este ano, a previsão é de gastar R$ 1,5 bilhão, equivalente a 7,37% da receita, quando o recomendado é R$ 2,4 bilhões. “Estamos fazendo o esforço de aumentar um ponto porcentual por ano e, com alguns ajustes em 2014, esperamos atingir o porcentual”, disse Motta. O secretário admite que até atingir metas como a da saúde e o pagamento do piso nacional do magistério, também prometido para 2014, o Estado terá capacidade limitada de investimentos em outras áreas com recursos próprios. Com um acréscimo de R$ 340 milhões no orçamento deste ano, o governo do Paraná acredita que conseguirá cumprir o porcentual de 12% das receitas estaduais no setor de saúde. “O que fizemos foi economizar no supérfluo, fechar as torneiras do desperdício, otimizar a arrecadação e melhorar a gestão pública”, disse o governador Beto Richa (PSDB). Segundo Richa, o Estado retirou da rubrica da saúde o plano de saúde dos servidores, as pensões para hansenianos e alguns programas de saneamento básico. O governador também reclamou da derrubada do dispositivo que destinava 10% das receitas federais para o setor. “A emenda amplia os investimentos de Estados e municípios, mas não traz a equação de corresponsabilidade à União.”

 

Editorial – Folha de S. Paulo Pacto para a saúde


Após quase 12 anos de procrastinação, foi sancionada a regulamentação da emenda constitucional nº 29. Um passo importante para melhorar os serviços de saúde à população, mas tal benefício tende a esgotar-se rapidamente. Aprovado em 2000, o diploma estabeleceu os percentuais mínimos dos respectivos orçamentos que União, Estados e municípios deveriam destinar à saúde. Como o texto não definia o que se entende por gasto em saúde, governantes deram asas à imaginação, e despesas com aposentadorias, pensões e saneamento básico passaram a ser contabilizadas na rubrica. Os mais afoitos incluíram até estádios e restaurantes populares. A lei agora sancionada detalha o que pode ou não entrar no cálculo. Estima-se que o cumprimento da nova regra injetará R$ 3 bilhões anuais no setor, que hoje consome cerca de R$ 150 bilhões dos governos federal, estaduais e municipais. O incremento de 2% não é desprezível, mas não basta para reverter a penúria da área. Avançar aí exige duas pequenas revoluções: uma gerencial e outra de engenharia financeira. O sistema público de saúde é muito pouco eficaz. Parte dos recursos é desviada para contratos fraudulentos. Mesmo o dinheiro corretamente aplicado é mal despendido, saindo pelo ralo da falta de planejamento e de integração entre os diversos gestores do SUS. Exigências impostas à administração pública, como licitações e concursos para a contratação de profissionais, também conspiram contra a agilidade necessária para gerir hospitais. A alternativa das parcerias entre o setor público e privado avança lentamente. Tornou-se lugar comum afirmar que a saúde no Brasil é subfinanciada, quando seria mais adequado dizer que os recursos são mal geridos. Considerados os gastos totais (públicos e privados), o Brasil aloca 8,4% do PIB no setor, o que não está muito longe do que investem países desenvolvidos. Em gasto per capita, é claro, o Brasil fica atrás: US$ 385 aqui, US$ 2.332 na Finlândia, por exemplo. Outra diferença importante: nesse país nórdico, 70,7% dos gastos são do setor público; no Brasil, 44%. Pior: aqui se concedem bilhões de reais em subsídios para gastos privados, dado que o governo federal paga, por meio de deduções no Imposto de Renda, até 27,5% do que os mais ricos gastam com planos e médicos particulares.