Judicialização corresponde a quase 33% dos gastos em medicamentos de estados brasileiros

Pesquisa do Ipea analisou dados de municípios e Unidades Federativas que disponibilizaram as informações; estudo foi em parceria com o Conasems e o Conass

Judicialização corresponde a quase 33% dos gastos em medicamentos de estados brasileirosEm 2023, o gasto médio em medicamentos judicializados correspondeu a 32,9% do total gasto em medicamentos dos estados brasileiros que disponibilizaram a informação. Nos municípios, esse valor chegou a 8,4% da despesa com assistência farmacêutica. Esses são dados da Pesquisa Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde (SUS), divulgada nesta terça (27) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A pesquisa, fruto de um acordo de cooperação técnica (ACT), foi conduzida pelo Ipea em 2024, em parceria com o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Os pesquisadores analisaram os gastos em medicamentos de estados, Distrito Federal e municípios, no período de 2019 a 2023, incluindo os decorrentes de ações judiciais de medicamentos. Participaram da pesquisa gestores de saúde de 25 estados, incluindo o Distrito Federal, e de 1.865 municípios.

Todos os estados participantes da pesquisa registram gasto em medicamentos judicializados, assim como 58,7% dos municípios participantes – um total de 1.094. A frequência de municípios com fornecimento de medicamentos judicializados foi maior nas regiões Centro-Oeste (80,5%), Sudeste (73,3%) e Sul (57,6%), e menor nas regiões Nordeste (46,3%) e Norte (49%).

Os dados mostram a ampla disseminação das demandas judiciais de medicamentos no SUS nos municípios, independentemente do tamanho de sua população, e nos estados, além de impactos expressivos no orçamento dos estados e municípios.

“O impacto da judicialização é alto”, analisa Fabiola Sulpino, coordenadora de Saúde da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Ipea. “Algumas estratégias já foram implementadas para lidar com a situação, mas o número de novas ações judiciais permanece crescendo”.

As disputas judiciais relacionadas ao acesso a tecnologias em saúde cresceram muito nos últimos anos. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, só em 2020, foram 76.836 novos casos relacionados à saúde pública na 1ª instância do judiciário. Esse número saltou para 162.046 em 2024, um aumento de 110,9%.

Dados do Siga Brasil, sistema de acesso público que contém informações de execução orçamentário-financeira da União, também indicam que, em 2024, o Ministério da Saúde teve uma despesa de R$ 3,2 bilhões em decorrência de demandas judiciais de medicamentos, sendo R$ 1,9 bilhão referente aos gastos próprios de empenhos do ano e R$ 1,3 bilhão relativo ao ressarcimento solicitado por estados e municípios pelo fornecimento de medicamentos entre 2017 e 2022.

Mais da metade (52,1%) dos municípios também forneceram medicamentos não incorporados por via administrativa, o que pode indicar a adoção dessa modalidade para evitar demandas judiciais. Dezenove dos 25 estados que participaram da pesquisa também implementaram mecanismo extrajudicial para o fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS.

De acordo com o presidente do Conasems, Hisham Hamida, os municípios vêm assumindo responsabilidades cada vez maiores sem o devido aporte financeiro por parte dos governos federal e estadual. “Estamos sendo obrigados a custear medicamentos de altíssimo custo por decisões judiciais, muitas vezes sem o devido critério técnico e sem previsão orçamentária. Isso desorganiza completamente o planejamento da gestão municipal e compromete o orçamento”, ressalta.

Para os pesquisadores, o fornecimento de medicamentos não incorporados ao SUS por via judicial e administrativa dificulta o planejamento da assistência farmacêutica e compromete parte significativa do orçamento para aquisição de medicamentos. Com isso, a disponibilidade financeira para o fornecimento de medicamentos a toda a população fica reduzida, podendo resultar em falta dos medicamentos incorporados ao SUS e em demanda judicial para acesso a estes produtos, retroalimentando a judicialização.

Financiamento público – A pesquisa também mostra que houve redução do financiamento com repasse federal e aumento no financiamento com recursos próprios, tanto para municípios quanto para os estados.

Os gastos com a assistência farmacêutica, segundo Hisham, do Conasems, são um dos principais desafios orçamentários para a gestão municipal do SUS. “Os repasses federais estão defasados e não cobrem a demanda real. Quando há falhas na distribuição ou demanda judicial, é o município que precisa responder imediatamente para não haver desassistência.”

Em 2023, em comparação com 2019, os municípios aumentaram em 40% seus gastos, com uma diminuição de 21% dos repasses federais e 22% dos repasses estaduais. As participações de cada esfera de governo no gasto total com medicamentos foram de 12% para o federal, 3% para o estadual e de 85% para o municipal.

Em relação ao gasto estadual, os recursos próprios também financiaram a maior parte das despesas. Em 2023, em comparação a 2019, houve crescimento de 25,1% no gasto estadual e redução de 6,2% do repasse federal.

Tânia Mara, presidente do Conass, enfatizou que há uma excessiva judicialização, com danos reais à organização do orçamento das secretarias. “É notório o aumento dos gastos estaduais e em contrapartida a redução dos gastos federais, além de grande a participação dos gastos com medicamentos judiciais no gasto total com medicamentos pelo estado. Por isso é fundamental que a gente revise as bases de financiamento e que tenhamos uma pactuação tripartite realista, com foco em planejamento, e realidade territorial”, disse a presidente do Conass.

O gasto médio por habitante dos municípios também cresceu entre 2019 e 2023. Passou de R$ 36,33 para R$ 68,79 na região Centro-Oeste, de R$ 23,31 para R$ 41,82 na Nordeste, de R$ 31,70 para R$ 60,80 na Norte, de R$ 29,05 para R$ 56,16 na Sudeste e de R$ 39,00 para R$ 59,10 na Sul. Em 2023, municípios com população de até 5 mil habitantes tiveram gasto per capita de R$ 81,75, um valor significativamente maior que o gasto dos demais grupos de municípios por porte populacional.

“As diferenças no gasto por habitante refletem desigualdades de capacidade de financiamento, entre outros fatores. É um assunto complexo e não existe bala de prata no enfrentamento dessa questão. Também é preciso investir na gestão da assistência farmacêutica para promover uso mais eficiente dos recursos”, explica Fabiola Sulpino. “O SUS é subfinanciado e o gasto em saúde tem sido menor nas regiões Norte e Nordeste, mas há pouca margem para que o Ministério da Saúde empregue recursos adicionais na redução dessas desigualdades, inclusive porque parte expressiva da alocação de recursos discricionários federais tem ocorrido por emendas parlamentares”.

Para os pesquisadores, os resultados mostram que, apesar da ampliação dos gastos em medicamentos dos estados e municípios, os valores alocados ainda são baixos. Os gastos em medicamentos co

rresponderam, em média, a 3,9% do gasto total em saúde dos municípios entre 2019 e 2023. No caso dos estados, a participação média do período foi de 3,7%.

Os achados sinalizam para a necessidade de rediscussão do financiamento da assistência farmacêutica e do gerenciamento da aquisição de medicamentos pelas três esferas de governo.

“Como o acesso a medicamentos no Brasil se dá principalmente por desembolso direto e os dados de cobertura pelo SUS não mostraram avanço, pelo menos entre 2013 e 2019, faz-se necessário repensar o m

odelo de financiamento da assistência farmacêutica, mobilizando os recursos das três esferas de governo, para ampliar a cobertura e promover a eficiência no uso dos recursos”, afirmou Fabiola Sulpino.

Divulgação dos resultados – O Ipea realiza um seminário para apresentação dos resultados, com o lançamento de dois Textos para Discussão (TDs) – um contendo uma análise do gasto em medicamentos de estados e municípios participantes e outro sobre o gasto em medicamentos judicializados – e um documento publicado conjuntamente pelo Conasems e pelo Conass, voltado para gestores de saúde e contou com a presença do ex-presidente do Conass, Fábio Bacherretti.

Os TDs foram elaborados por Fabiola Sulpino Vieira, especialista em políticas públicas e gestão governamental na Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Disoc/Ipea), Elton da Silva Chaves, assessor técnico em assistência farmacêutica do Conasems, Karen Sarmento Costa, consultora em assistência farmacêutica do Conasems, Heber Dobis Bernarde, assessor técnico em assistência farmacêutica do Conass, Liliane Cristina Gonçalves Bernardes, especialista em políticas públicas e gestão governamental na Disoc/Ipea, Filipe Matheus Silva Cavalcanti, técnico em planejamento e pesquisa na Disoc/Ipea e Blenda Leite Saturnino Pereira, assessora técnica em economia da saúde do Conasems.

https://www.conass.org.br/biblioteca/pesquisa-assistencia-farmaceutica-no-sus/ 

Acesse o Texto para Discussão 3119

Acesse o Texto para Discussão 3120

Comunicação – Ipea
(61) 2026-5501
(21) 3515-8704 / (21) 3515-8578
[email protected]